terça-feira, 30 de setembro de 2008

O HORROR! O HORROR!

"O grupo móvel da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Pará libertou ontem 150 pessoas, entre elas 30 crianças, de uma indústria de processamento de cacau em Placas (1.127 km de Belém).

"Todas as crianças estão doentes, com leishmaniose - transmitida por um mosquito e que deixa lesões na pele. Uma ficou cega em um acidente de trabalho, ao cair com o rosto em um toco de árvore. Elas têm de 4 a 17 anos.

"...o grupo vivia em péssimas condições de habitação, alimentação e higiene e estava impedido de deixar o local em razão de dívidas contraídas, o que caracteriza situação análoga à escravidão."

Trechos de uma notícia publicada hoje (30) na Folha de S. Paulo. Cortei o desnecessário, mas era pequena mesmo. Uma mera notinha.

Que, com certeza, passará praticamente despercebida, ofuscada pela eleição em que todos são iguais e tudo fazem (em vão) para parecer diferentes, pelo pacote que ontem foi vetado mas acabará sendo aprovado (no sentido de que os contribuintes paguem a conta das delinquências financeiras nos EUA) e outros assuntos que, para os editores da grande imprensa, são imensamente mais importantes do que crianças brasileiras de quatro anos submetidas à escravidão.

É angustiante sabermos que, para cada caso desses flagrado, deve haver dezenas, centenas de outros que as autoridades ignoram.

Perdemos a capacidade de indignarmo-nos com as injustiças e os abusos?

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

TORTURAS: TUDO COMO DANTES NO QUARTEL DE ABRANTES

O motoboy ML tinha 23 anos quando foi preso em 2003 e apresentado triunfalmente pela Secretaria de Segurança Pública como "um dos criminosos mais perigosos da região do Capão Redondo", na zona sul paulistana. Garantiram que se tratava de um matador de aluguel.

Passou dois anos e meio detido. Os nove processos por assassinato a que teve de responder, baseados unicamente em suas confissões, sem quaisquer evidências, estão ruindo como castelos de cartas. Cinco já foram arquivados.

"Não há prova de nada. Ele foi acusado de nove homicídios porque é abusado e respondão. Confessou porque sofreu tortura", diz sua advogada.

O motoboy relata: "Levei choque quanto fui preso na rua, levei choque no carro e na delegacia. Usavam uma maquininha preta para dar choque. Doeu tanto que caí de joelho no chão. Na delegacia, apanhei de mão. Davam soco, chutes nas costas".

Além de práticas idênticas às que a ditadura de 1964/85 adotava com presos políticos, também se repete a cumplicidade do Instituto Médico Legal de São Paulo com a tortura. Harry Shibata (que atestou falsamente suicídio no Caso Herzog) fez escola.

O Conselho de Medicina chegou até a julgar médicos que, em seus laudos, omitiam a existência de evidentes marcas de tortura nos cadáveres. Não adiantou, conforme se depreende da excelente reportagem de Mário César Carvalho na Folha de S. Paulo de hoje (29).

Outro preso na mesma época revelou que os policiais ficaram ao lado enquanto o médico do IML apenas lhe perguntava se havia sido espancado, contentando-se com a negativa.

E ML confirmou em juízo que os presos são examinados por médicos sob coação:

– Eles [policiais] falaram: "Se você falar que apanhou, vai apanhar mais ainda".

Por último, as acusações de réus torturados são recebidas com o mesmo descaso que era regra não escrita, mas sempre seguida, nas auditorias militares. O promotor que ignorou as queixas de ML agora se defende com a afirmação de que “em 99% dos processos, os réus confessam e depois vêm com a cantilena de tortura”.

Mesmo que 99% dos réus realmente mentissem, tal promotor estaria errado ao desprezar 100% das denúncias, ao preço de coonestar a prisão injusta de inocentes. Por sua culpa, ML permaneceu dois anos e meio no inferno carcerário. Se não tem sequer remorsos, deveria procurar uma profissão que fosse só profissão, não (também e principalmente) missão.

domingo, 28 de setembro de 2008

FEIOS, SUJOS E MALVADOS - II

Deu na Folha de S. Paulo, hoje: 22% dos candidatos em SP têm antecedente criminal.

A matéria informa que, "dos 1.077 candidatos considerados aptos a concorrer a uma vaga de vereador em São Paulo nas eleições da semana que vem, 241 (22% do total) apresentaram antecedentes criminais à Justiça Eleitoral".

Segundo o levantamento que o jornal fez a partir das certidões apresentadas pelos ditos cujos (ou seria "sujos"?) à Justiça Eleitoral, as acusações mais freqüentes são de lesão corporal e estelionato, "mas há casos mais graves, como tentativa de homicídio e homicídio culposo".

Ora, quem melhor do que estelionatários para fazer essas campanhas cuja principal característica é a de estelionato eleitoral? São as pessoas certas no lugar certo.

QUE PAUL NEWMAN CONTINUE SE DIVERTINDO LÁ EM CIMA...

Paul Newman morreu, aos 83 anos. Não era um ator extraordinário, mas tinha carisma e um faro quase infalível para escolher papéis que o destacariam.

Parecia ser um sujeito simpático e de bem com a vida. Mas não lhe faltava coragem nem discernimento político, pois fez campanha por Eugene McCarthy, pré-candidato à presidência que, já em 1968, propunha-se a tirar os EUA do Vietnã.

Não era qualquer celebridade que ousava associar sua imagem à do santo guerreiro Gene, tão amado pelos estudantes quanto detestado pelos conservadores e reacionários de todos os matizes (que seriam apropriadamente designados por Richard Nixon como maioria silenciosa, em contraposição à minoria que falava porque tinha o que dizer...).

Ao desacelerar sua carreira cinematográfica, continuou em evidência como um dos proprietários da equipe Newman-Hass, uma das principais escuderias da Fórmula Indy.

Mesmo com câncer terminal, respondia com gracejos às indagações sobre seu estado de saúde. Impossível não simpatizarmos com ele.

Os críticos ressaltarão, como sempre, os seus olhos azuis. O que mais me chamava a atenção era a voz grossa, que parecia pertencer a um grandalhão, não a um indivíduo de porte mediano.

O boxeador Rocky Graziano foi seu primeiro grande personagem, em Marcados Pela Sarjeta (dirigido por Robert Wise, 1956). Houve quem dissesse tratar-se da cinebiografia do lendário Rocky Marciano (até eu caí nessa...), mas eram dois pugilistas diferentes.

Newman estrelou um filme antológico em 1962: Desafio à Corrupção (d. Robert Rossen). Foi a melhor atuação de sua carreira, como o craque da sinuca Eddie Felson, que enfrenta o grande campeão Minnesota Fats (Jackie Gleason) e, embora seja mais talentoso, perde por falta de personalidade. Começa, então, a descida aos infernos na qual ele forjará seu caráter, a um preço terrível.

Em qualquer outro ano, Newman certamente ganharia o Oscar. Naquele, entretanto, teve de competir com outra culminância: Gregory Peck, em O Sol É Para Todos (d. Robert Mulligan).

Também Desafio à Corrupção não levou sorte, pois bateu de frente com o superlativo Lawrence da Arábia (d. David Lean).

Para compensar, a Academia o premiou por retomar o personagem Eddie Felson numa medíocre seqüência cometida por Martin Scorcese em 1986: A Cor do Dinheiro.

Muito mais merecedoras de estatuetas foram suas performances em obras-primas como Um de nós Morrerá (d. Arthur Penn, 1958), O Indomado (d. Martin Ritt, 1963), Rebeldia Indomável (d. Stuart Rosenberg, 1967), Hombre (d. Martin Ritt, 1967), Oeste Selvagem (d. Robert Altman, 1976), Quinteto (d. Robert Altman, 1979) e O Veredicto (d. Sidney Lumet, 1982).

Aliás, mesmo seu desempenho em amenidades simpáticas como Butch Cassidy (d. George Roy Hill, 1969), Golpe de Mestre (d. George Roy Hill, 1973) e Roy Bean, o Homem da Lei (d. John Huston, 1972) foi artisticamente superior ao de A Cor do Dinheiro, um papel sem verdadeiras exigências, que ele representou correta mas burocraticamente.

O personagem também não ajudava. Scorcese pisou feio na bola. Felson termina Desafio à Corrupção como um homem que se reconstruiu ao confrontar e vencer a podridão ambiente. E começa A Cor do Dinheiro como o veterano que adestra outro jovem para seguir o caminho que ele, enojado, rejeitara. Talvez Newman tenha percebido esta incongruência e optado por manter algum distanciamento.

De resto, é impressionante a lista de grandes diretores com quem Newman trabalhou. Aos citados acima devem-se acrescentar, ainda, Richard Brooks (Gata em Teto de Zinco Quente, 1958, e Doce Pássaro da Juventude, 1962) e Otto Preminger (Exodus, 1960).

Na Hollywood de então, não se era cineasta de primeira linha sem saber dirigir atores. Esses medalhões souberam extrair de Paul Newman atuações quase sempre marcantes, que não sairão tão cedo da lembrança de quem, como eu, curtia intensamente o cinema nas décadas de 1950, 60 e 70 – as do seu apogeu.

Que descanse em paz. Ou, melhor ainda, que continue se divertindo lá em cima...

sábado, 27 de setembro de 2008

APOCALYPSE NOW

O Banco Mundial fez uma vaquinha entre dez dos países mais ricos do planeta, inclusive os Estados Unidos, mas conseguiu arrecadar apenas US$ 6,1 bilhões para ajudar as nações em desenvolvimento a combaterem o aquecimento global.

Os EUA sozinhos pretendem queimar US$ 700 bilhões para socorrerem o setor financeiro cujas operações fraudulentas e irresponsáveis podem causar uma recessão planetária. Só não o fizeram até agora por causa da politicalha no Congresso. Mas, com certeza, acabarão fazendo.

Os números são eloquentes: a salvação da economia importa muito mais do que a salvação da humanidade.

O filósofo Norman O. Brown, num livro interessantíssimo (Life Against Death, 1959), teorizou que o capitalismo encarna atualmente o instinto de morte, trabalhando em favor da destruição da humanidade. Deveria ser lido e relido à exaustão.

Cada vez mais acredito que não sobreviveremos às terríveis provações que estão chegando caso continuemos delegando a responsabilidade de salvar-nos aos governos.

Se a ficha não cair rapidinho para os passageiros desta nau desgovernada, poderá não haver século 22.

O piloto sumiu e a cabine de comando está vazia; ou nos tornamos os tripulantes, ou viraremos pó. É simples assim.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

PERDEREI COM IVAN VALENTE E ME ORGULHO DISTO

Sei que meu apoio não vai eleger prefeito nenhum, mesmo porque despertará interesse mínimo por aí. Há muito tempo deixei de ter quaisquer ilusões de grandeza.

Mesmo assim, faço questão de declarar meu voto, porque tenho orgulho de perder com Ivan Valente. Mil vezes melhor do que ganhar com qualquer um dos três que disputam pra valer a Prefeitura de São Paulo.

Conheci o Ivan quando travava luta desesperada para salvar quatro companheiros em greve de fome, no ano de 1986. Eram aqueles jovens de Salvador que, generosos mas ingênuos, quiseram retomar as expropriações de bancos num contexto totalmente adverso e acabaram presos logo na primeira tentativa.

O PT os abandonou, porque prejudicavam suas chances eleitorais. A extrema-direita tramava seu assassinato dentro da prisão. A direita um pouco menos extremada queria jogar nas costas deles todos os assaltos a banco daquela década, atropelando seus direitos constitucionais das mais diversas maneiras. Acabaram indo para o tudo ou nada numa greve de fome que levariam mesmo até o fim, ao contrário dos garotinhos mijões.

Ivan foi, mesmo, valente: como deputado estadual, fez o que pôde, nos bastidores, para ajudar os companheiros, não se importando em contrariar os dirigentes petistas que queriam mais é que os quatro morressem mesmo na prisão. [Passada a tempestade, Ruy Falcão, que faz jus ao nome, referiu-se aos quatro e a mim como "cães danados". Não me ofendi. Antes isto do que ser lulu da madame Favre, quer dizer, Suplicy...]

Depois, em 2004, quando eu estava em penúria extrema e tinha a reparação de ex-preso político como minha única esperança de ainda dar a volta por cima, o Ivan novamente agiu como companheiro, no sentido real do termo. Lutou por meus direitos em Brasília.

Então, pouco me importa o quadro eleitoral. Se está com apenas 1% das intenções de voto, é porque não se dispõe a pagar o preço usual dos que fazem política no atual momento de putrefação capitalista: trair seus ideais e até sua ética pessoal.

Infelizmente, são os que chafurdam na lama os preferidos do eleitorado.

De resto, quero registrar algumas declarações mais marcantes de Ivan Valente, ao ser sabatinado ontem (25) pela Folha de S. Paulo:

- O PT transformou políticas públicas universalizantes, o que era uma marca da esquerda, em políticas públicas focadas, assistenciais, coisa que qualquer partido tradicional pode fazer. Você não vê mais a Marta [Suplicy, candidata do PT] falar em participação popular. É "eu faço", como toda a direita faz. Não tem o espírito coletivo, a marca da esquerda.

- Quando um partido que representou a esquerda passa a ter um descrédito - e o PT foi isso-, não se reafirma novamente um projeto de esquerda em poucos anos. Você precisa afirmar um programa, resgatar ideologicamente e batalhar contra a descrença que o PT deixou.

- Do ponto de vista estruturante das propostas para a sociedade, [as candidaturas do PT, do DEM e do PSDB] são muito iguais. Um ou outro pode ter uma preocupação mais social, manter relações mais intensivas com as periferias, mas nada que o clientelismo de direita não possa fazer. Faz e sempre fez. Maluf fez, Kassab faz, etc. Não há uma grande diferença.

- O governo Lula se beneficia de um momento internacional compensador. A pequena política assistencial rende uma popularidade enorme. Lula tem popularidade nos setores mais populares, diferente do que o PT já foi. Já foi uma grande hegemonia nos movimentos sociais organizados, mas o PT ajudou a desorganizar os setores organizados.

- Certamente [respondendo à pergunta sobre se faltou coragem ao PT]. Precisa fazer enfrentamentos, tem de acabar com a lógica que concentra renda, riqueza e terra.
Não é à toa que ele governa com uma base ultraconservadora.

- O PT criou uma rejeição. Muita gente séria que se desiludiu com o PT. O problema é implantar de novo um projeto de esquerda, porque demora um tempo. Por isso não temos pressa em chegar ao poder a todo custo. (...) Isso matou o PT: chegar ao poder a todo custo.

Em tempo: não sou filiado ao PSOL, mesmo porque deixei de acreditar na conquista de governos como degrau para a revolução. Mas, alguns companheiros que ainda respeito e admiro estão lá, estoicamente, tentando levar novamente a pedra até o topo da montanha e, assim, reconstruir a opção que o PT traiu.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

PUNIÇÃO DOS TORTURADORES PÕE DESAFIOS ATUAIS EM 2º PLANO?

Em debate realizado anteontem (23) na USP sobre a punição das atrocidades cometidas pela ditadura de 1964/85, o professor de filosofia Paulo Arantes avaliou que a insistência da esquerda na reparação das "abominações do passado" denota a inexistência, na atualidade, de um horizonte de transformação radical da sociedade:

- É uma confissão de que o futuro passou para o segundo plano. De que ele só virá depois desse rodeio pelo passado. É uma confissão tácita de que o horizonte de transformação foi posto de quarentena.

Concordo plenamente.

Deixando de lado a retórica inflamada de palanque, eis como realmente se apresenta o problema:

1) golpistas derrubaram o presidente legítimo em 1964 e, durante 21 anos de usurpação do poder, generalizaram a prática da tortura a seus opositores, além de terem sido responsáveis por assassinatos, estupros. ocultação de cadáveres e outros crimes gravíssimos;

2) em pleno regime de exceção, no ano de 1979, foi promulgada uma Lei de Anistia que previamente os eximiu de responderem pelas bestialidades e ilegalidades cometidas, tendo como contrapartida a libertação de resistentes e a permissão de volta dos exilados;

3) redemocratizado o País, nenhum governo, muito menos o atual, se dispôs a desatar esse nó, começando pela revogação da anistia de 1979;

4) o ministro da Justiça Tarso Genro recentemente apontou um atalho (mantém-se a anistia como está e acusam-se os torturadores de crimes comuns) para transferir ao Judiciário um problema cuja solução teria de envolver os três Poderes.

Desde o nascedouro dessa proposta, tenho alertado que:

1) como o que houve no Brasil foi terrorismo de estado, para o qual toda a cadeia de comando concorreu (por ação ou omissão), seria uma verdadeira aberração jurídica punirem-se apenas os executantes e eximirem-se os mandantes;

2) ademais, fornece-se uma escapatória legal aos executantes, que poderão arguir o desrespeito ao princípio da igualdade de todos perante a lei;

3) finalmente, seguindo-se os trâmites e prazos usuais da Justiça brasileira, Deus e o mundo sabem que os acusados acabarão todos morrendo antes de serem punidos.

Cheguei a propor que, como alternativa, o governo e o Congresso negociassem um pacote que:

1) revogasse a anistia de 1979;

2) fixasse, definitivamente, a responsabilidade dos usurpadores do poder pelas atrocidades cometidas e por todas as violações dos direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros ocorridos durante a ditadura de 1964/85;

3) anistiasse seus agentes, por motivos de ordem humanitária (idade avançada) e política (a inaceitável omissão do Estado, que deveria ter passado a limpo o período a partir do momento em que o País foi redemocratizado, em 1985);

4) estabelecesse, também definitivamente, que os atos praticados por cidadãos brasileiros no legítimo exercício do direito de resistência à tirania não constituíram crimes, devendo ser desconsiderados para todos os fins, inclusive morais, os Inquéritos Policiais-Militares da ditadura e as sentenças emanadas de auditorias militares.

Para a esquerda, seria trocar uma guerrilha jurídica interminável, cujos resultados acabarão sendo inócuos, por uma vitória moral indiscutível.

À direita restaria o prêmio de consolação de não ver seus carrascos na cadeia, pois tem sido esta a tônica de suas ruidosas tomadas de posição - algumas das quais configuraram visivelmente uma quebra de hierarquia, sendo, mesmo assim, engolidas pelo Governo Federal.

E se evitaria que indivíduos sórdidos se apresentassem à opinião pública como vítimas, utilizando suas doenças e idade provecta para fazerem chantagem emocional. A imagem final seria a de lhes haver sido concedida a graça de morrerem fora da prisão em que mereciam estar.

Ou seja, todas as arestas seriam aparadas: não haveria punições, esvaziando-se os focos que estão gerando conflitos no presente; mas, fixar-se-iam parâmetros legais importantíssimos para desestimular reincidências futuras no arbítrio.

Por que a esquerda nem cogita de se mobilizar nesta direção? simplesmente porque parece mesmo preferir usar as "abominações do passado" como pivô de mobilizações no presente, ao invés de oferecer "um horizonte de transformação radical da sociedade" aplicável aos dias atuais - até por causa da ambígua situação na qual se debate, com alguns dos seus quadros históricos hoje ajudando a manter o status quo.

Mas, com isto, quase nada de palpável se oferece às novas gerações que, majoritariamente, interessam-se mesmo é pelo que está acontecendo agora, encarando a ditadura militar como uma página virada de uma História que não lhes diz respeito.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

HOMENAGEM AOS CLÁSSICOS DO WESTERN: "THE GOOD, THE BAD AND THE UGLY"

Em 1966 o grande cineasta italiano Sergio Leone dirigiu sua primeira obra-prima, The Good, The Bad and The Ugly, que aqui recebeu o nome de Três Homens em Conflito. Foi quando definiu seu estilo, embutindo no cinema de ação discussões mais profundas (no caso, sobre o horror da guerra), sem prejuízo do entretenimento propriamente dito. De acordo com sua sensibilidade, o espectador podia se divertir apenas com o básico ou captar os muitos toques subjacentes.

Por espírito lúdico, fiquei elocubrando sobre quais personagens atuais caberiam nos papéis de Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach. E o que saiu publicado nos jornais da manhã de hoje (24) me mostrou o caminho das pedras.

O BOM: ALCKMIN, O BEBÊ CHORÃO - Campanha para burgomestre é um tédio só. Tenho evitado comentá-la, pois a grande imprensa já lhe concede um espaço totalmente desproporcional à sua importância. Em qualquer jornal que eu dirigisse, nunca ocuparia mais de uma página diária. E olhe lá.

Mas, não resisto a registrar que, mais uma vez, Geraldo Alckmin se mostrou de uma puerilidade constrangedora, ao pretender atingir o candidato com quem disputa uma vaga no 2º turno.

Sabatinado pela Folha de S. Paulo, choramingou: "Kassab é dissimulado. Ele usa as pessoas. Sua estratégia é desconstruir o PSDB de São Paulo para se promover". Só faltou dizer que o outro roubava pirulito de criancinhas...

Alckmin já mostrou o quanto valia em 2002.

Sequestrado por Fernando Dutra Pinto, o animador Sílvio Santos passou a conversa no bandido, convencendo-o a requisitar a presença do então governador de São Paulo. Qualquer político menos poltrão agradeceria aos céus a oportunidade para posar de herói, negociando a libertação de SS.

Alckmin demorou uma eternidade até criar coragem para fazer o que o momento exigia e era o melhor para si. Finalmente foi lá e deu garantia de vida a Dutra Pinto, caso ele soltasse o refém e se rendesse.

Esqueceu de avisar a polícia: o bandido foi logo assassinado dentro da prisão.

O MAU: BRILHANTE USTRA, O FUJÃO - Por dois votos contra um, o Tribunal de Justiça de São Paulo extinguiu o processo movido contra Carlos Alberto Brilhante Ustra pela família do Jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado em 1971 no centro de torturas por ele comandado, o DOI-Codi de São Paulo.

Os três desembargadores ressaltaram que não estavam emitindo um juízo de valor sobre os atos cometidos por Ustra, mesmo porque o mérito da questão não chegou a ser por eles apreciado.

A defesa utilizou uma filigrana jurídica para evitar que o caso seguisse até Ustra ser declarado torturador ou inocentado dessa acusação: questionou a participação no processo da ex-companheira de Merlino, Angela Maria de Almeida, alegando que a união estável entre ambos não ficou comprovada.

Ao votarem pela extinção do processo, os dois desembargadores acataram a impugnação de Angela como parte. E acrescentaram que, de qualquer forma, uma ação civil declaratória não seria o meio processual adequado para o escopo dos acusadores.

Salta aos olhos, entretanto, que a defesa de Ustra só recorreu a esse agravo de instrumento por não confiar nas chances de absolvição de seu cliente.

Assim, depois de passar anos e anos alegando inocência nas declarações que deu à imprensa, nos livros que escreveu e no site que mantém, Ustra teve, finalmente, a oportunidade para provar que era um injustiçado. Preferiu sair pela tangente, com o rabo entre as pernas.

O FEIO: DELFIM NETTO, O ENROLADOR - Delfim Netto, ministro dos governos mais truculentos que o Brasil já teve e um dos signatários do infame AI-5, explica assim a versão 2008 das crises cíclicas do capitalismo ("Fiducia", Folha de S. Paulo, 24/09/2008):

"Todo o maravilhoso mecanismo de coordenação que os homens descobriram e a economia política aperfeiçoou, que são os 'mercados', repousa sobre um ingrediente catalítico invisível: a confiança...

"Quando, por qualquer motivo, se destrói a 'confiança' entre os participantes do mercado, desaparece instantaneamente a trama invisível de coordenação produzida por ela...

"Foi isso o que aconteceu com a crise que se convencionou chamar 'dos subprimes'...

"...a confiança do (...) poupador foi traída pelo (...) sistema financeiro, que lhe garantia ter 'modelos' científicos para estimar retornos e riscos na aplicação de suas poupanças. Usando uma complicada alquimia e expedientes contábeis, construiu-se, sob os olhos fechados e o nariz insensível dos bancos centrais, uma pirâmide de papel que se queimaria ao menor sintoma da falta de confiança. Não houve nem o controle da moralidade implícita no 'espectador imparcial' nem a explícita imposta pelos bancos centrais."

Pelo menos uma vez concordo com o Delfim: o capitalismo é isso mesmo, espertalhões utilizando expedientes imorais para, abusando de sua confiança, depenar os otários gananciosos.

Só não dá para aceitar quando ele qualifica os mercados que facultam tais práticas de "maravilhoso mecanismo de coordenação".

Aí ele está repetindo os contorcionismos retóricos que utilizava para justificar a aceitação de boquinhas em governos estatizantes, embora professasse convicções liberais...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS, SUSCITADA POR UMA DISCUSSÃO NO CMI

Até há uns 20 anos, digamos, tínhamos razoável certeza sobre como se dividiam as forças do espectro político e quem representava o quê em cada situação.

De lá para cá, a grande imprensa decaiu a um tal ponto que, tanto quanto a internet, está inundada de versões tendenciosas e manipulatórias.

Então, fica cada vez mais difícil sabermos qual é a verdade verdadeira.

Por exemplo: Daniel Dantas é um grande vilão, "o dono do Brasil", como diz Mino Carta, ou apenas um crapulazinho a mais?

Para mim, todos os banqueiros são crápulas, não apenas aqueles que transgridem as regras do próprio capitalismo. E, poder por poder, os banqueiros do Bradesco, Itaú, Santander, Unibanco, HSBC, etc., têm muito mais do que o Daniel Dantas.

Estará certa essa esquerda que dá a entender que todos os males do Brasil seriam resolvidos com o Daniel Dantas na cadeia?

Ou, pelo contrário, isto só reforçaria a crença nos valores do próprio capitalismo, que, aparentemente, estaria expurgando seus malfeitores?

Então, não tendo reais certezas sobre quem é quem nesse cipoal -- aliás, acredito que no sistema só existem bandidos, nenhum mocinho --, eu me recuso a seguir os ditâmes impostos pelos rolos compressores de lado a lado.

Não condeno incondicionalmente ninguém. Nem Daniel Dantas, nem Lula, nem Chávez, nem Uribe, nem Fidel, nem Mainardi, nem Nassif, nem a Veja, nem o Hora do Povo, nem Tarso, nem Protogenes, nem Jobim, nem Gilmar Mendes, nem De Sanctis. Ninguém.

Recuso-me a considerar que certas pessoas e instituições sejam sempre más e estejam sempre do lado errado. Isso é maniqueísmo. E eu não sou religioso, sou revolucionário, de formação marxista e orientação anarquista na atualidade. A dialética me ensinou a levar sempre em conta a contradição.

Então, avalio cada fato político em si próprio, tendo como parâmetro, sempre e unicamente, os princípios que defendo.

Para mim, p. ex., o direito de asilo político é importantíssimo, pois, eventualmente, salva a vida de combatentes da liberdade.

Então, quando o Lula o transgrediu para fazer um favor ao Fidel, não levei em conta o que acho do Lula, nem o que acho do Fidel, nem mesmo o que acho dos dois pugilistas cubanos (sujeitos oportunistas e sem caráter, foi como os julguei intimamente).

Só me interessava uma coisa: o desrespeito ao direito de asilo teria más consequências. E foi por isto que protestei contra a decisão do governo brasileiro, de deportar os atletas imediatamente, ao invés de colocá-los em contato com entidades como a Anistia Internacional, que deveriam tê-los aconselhado sobre qual a melhor opção para eles.

O que aconteceu? Ambos voltaram para Cuba e foram tratados como párias, impedidos de exercer sua profissão e obrigados a viver de biscates. Exatamente como eu previra.

Na ocasião, eu alertei: a rua é sempre de duas mãos. Por causa de dois indivíduos sem grande valor como seres humanos, talvez percamos, depois, companheiros muito mais valiosos.

Agora, o precedente aberto no caso dos pugilistas está sendo usado pela direita para exigir a mesma solução para o episódio do Cesare Battisti, que vale muito mais do que eles e significa muito mais para nós.

Então, considero que faz mesmo muito mais sentido defendermos princípios do que pessoas, governos, partidos e outros entes que, hoje em dia, estão nos surpreendendo desagradavelmente a cada instante.

É o que fiz no caso da expulsão do Vivanco, uma truculência aberrante e totalmente desnecessária. Se foi idêntica aos procedimentos adotados pelas ditaduras do passado, não havia motivo nenhum para eu deixar de ressaltar isto.

Afinal, uma ditadura me fez sofrer muito e causou a dor e a morte de companheiros queridos. Um de meus compromissos, como homem, é sempre lutar para que tais práticas jamais se repitam, partam de quem partirem.

Como eu coloquei na definição dos meus dois blogs, dedico-me à pregação dos ideais revolucionários, à defesa dos direitos humanos e ao exercício do pensamento crítico.

Acredito que ainda possamos criar uma esquerda que, em nome da revolução, nem incorra em práticas autoritárias (negando os direitos humanos), nem resvale para o sectarismo e o fanatismo (abdicando da liberdade de pensamento por força dos rolos compressores que tentam impor uma posição única, monolítica).

É para contribuir na formação dessa nova esquerda que eu ainda estou escrevendo. Como dizia uma música do grande Sérgio Ricardo, quando parecia inexistir esperança, "cada verso é uma semente/ no deserto do meu tempo".

Eu planto as sementes de uma esquerda libertária, capaz tanto de conviver com os valores civilizados, quanto de fazer a revolução.

Jamais aceitarei que uma coisa exclua a outra.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

TÚNEL DO TEMPO: CAÇA ÀS BRUXAS EM PLENO SÉCULO 21!

Neste domingo, em Copacabana (RJ), cerca de 10 mil pessoas participaram de uma Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa.

Foi um protesto contra a discriminação e a violência a que vêm sendo submetidas as religiões de origem africana, como o ataque a um centro umbandista em junho e a proibição de terreiros em favelas, por ordem de traficantes certamente inspirados pelos caçadores de bruxas neo-pentecostais.

Além de Fernando Gabeira (PV) e Jandira Feghali (PC do B), que tinham motivo para estar lá, pousou também um estranho no ninho: Marcelo Crivella, candidato do PRB à Prefeitura do RJ, cuja campanha surpreendentemente sobreviveu à responsabilidade direta que ele teve no envio do Exército ao morro da Providência e três hediondos assassinatos decorrentes.

Parece que os cariocas não são mais tão politizados como eram em tempos idos; seu espírito de justiça deve estar embotado.

Crivella tenta se apresentar como vítima da intolerância religiosa. Propaganda enganosa. A Igreja Universal do Reino de Deus, da qual ele é cria (ex-pastor e sobrinho de Edir Macedo), não se enquadra entre as religiões. Suas atividades estão, isto sim, capituladas no Código Penal: estelionato, curandeirismo e lavagem cerebral.

Chocante é a omissão das autoridades brasileiras, pois tais práticas criminosas já foram diversas vezes flagradas e escancaradas na imprensa.

Os crédulos que fecharam olhos e ouvidos a tudo que era mostrado - inclusive aquelas imagens repulsivas de Edir Macedo e cúmplices dividindo o butim - já não são cidadãos no sentido pleno da palavra: viraram zumbis, incapazes de pensar por si próprios e, portanto, de defender seus interesses.

Precisam da proteção do Estado. Dificilmente a terão, enquanto os governos não prescindirem do apoio das bancadas neo-pentecostais para ganhar votações espúrias na esfera legislativa.

No afã de arrancar até o último centavo dos pobres coitados que lhes caem nas garras, esses devotos do Bezerro de Ouro erigiram os cultos afro-brasileiros em bicho-papão, repetindo uma jogada manjada desde que os nazistas incendiaram o Reichstag e botaram a culpa nos judeus.

Quem não tem valores positivos a oferecer, imanta seu rebanho por meio da rejeição a um inimigo sinistro, real ou imaginário.

Até em Salvador, a capital negra do Brasil, têm pipocado agressões bestiais e covardes aos umbandistas.

Minha total solidariedade às vítimas.

Meu mais vêemente repúdio aos intolerantes e aos truculentos, bem como aos oportunistas que prometeram defender o povo e agora lavam as mãos face à sua exploração e aviltamento.

domingo, 21 de setembro de 2008

MAIS UMA VEZ A VIDA IMITA A ARTE

A Polícia Civil de São Paulo anuncia a prisão de membros do Primeiro Comando da Capital que, além de traficarem droga, promoviam os chamados tribunais do crime - julgamentos comandados por um presidiário do PCC que, por celular, decide a morte ou não de uma pessoa.

Brigas de bar, furtos, roubos, estupros, homicídios, desde que cometidos na área de influência do PCC, têm seus autores ou suspeitos levados ao tribunal do crime.

E nem a menoridade evita a pena capital: uma jovem de 17 anos acabou assassinada a facadas, na periferia de Sorocaba, em razão da sentença dos marginais. As autoridades já relacionaram nove vítimas fatais.

O cinema antecipou essa prática criminosa em nada menos do que sete décadas: o clássico M, o Vampiro de Düsseldorf (1931), de Fritz Lang, mostra um assassino serial (Peter Lorre) sendo levado a julgamento pelo submundo porque suas atividades faziam aumentar em muito o policiamento, atrapalhando os contraventores normais.

Obra-prima do expressionismo alemão, esse filme foi considerado premonitório noutro sentido, já que mostrou uma sociedade em que a lei era aplicada pela escória. Muitos consideraram que foi exatamente isso o que aconteceu logo depois na Alemanha, sob o nazismo.

sábado, 20 de setembro de 2008

TÚNEL DO TEMPO

Estas declarações bem poderiam ser de qualquer vítima da truculência e bestialidade com que a repressão tratava uma persona non grata à ditadura brasileira, nos tempos de Médici.

Infelizmente, são atuais: é como José Miguel Vivanco, diretor do Human Rights Watch, relatou sua expulsão da Venezuela, anteontem (18):

- Na quinta, fomos jantar num restaurante italiano, Daniel Wilkinson e eu. Eram cerca de 22h15 quando voltamos ao hotel. Subimos até o 14º andar, e, quando saímos do elevador, nos deparamos com uns 20 agentes diante das portas dos nossos quartos.

- Uns estavam fardados com roupa militar, outros estavam à paisana, com armas à cintura. O chefe nos leu uma declaração informando que estávamos intimados a deixar o país imediatamente, sob acusação de termos insultado o governo. Argumentei que aquilo não era verdade, em vão. Tentei mandar um torpedo ao embaixador do Chile, mas um dos capangas me arrancou brutalmente o Blackberry das mãos.

- O aparelho me foi devolvido sem bateria, e o do Daniel foi destruído pelos agentes. Pedi então para fazer as malas, e me disseram que os agentes já haviam entrado no quarto e empacotado nossas coisas. Nos colocaram em jipes, e fomos levados a toda velocidade até o aeroporto num comboio de motos e carros com sirene.

- Perguntamos várias vezes, mas não responderam. O comboio entrou diretamente na pista, sem passar pela alfândega ou balcão de embarque, e só entendemos qual seria nosso destino depois de sermos desembarcados na frente de um avião da Varig.

FEBEAPA 2008: GOVERNO QUER TIRAR O SOFÁ DA SALA

Que falta faz o jornalista, teatrólogo e humorista Sérgio Porto! A cada dia nossas otoridades propõem medidas tão obtusas quanto (ou mais ainda que) aquelas detonadas no Festival de Besteiras que Assola o País.

Para as novas gerações terem uma idéia de quão asnático era o besteirol oficial na década de 1960, eis uma das pérolas expostas por Stanislaw Ponte Preta:
-- O Diário Oficial publica "Disposições de Seguros Privados" e mete lá: "O Superintendente de Seguros Privados, no uso de suas atribuições, resolve (...), "Cláusula 2 — Outros riscos cobertos — O suicídio e tentativa de suicídio — voluntário ou involuntário (sic)".

É de um ridículo similar o projeto que o Governo Federal encaminhou ao Congresso, no sentido de criminalizar a publicação/difusão, por parte da imprensa, do lixo resultante de escutas telefônicas. Lembra a velha piada do pai que, impotente para impedir que a filha transe com o namorado no sofá da casa, livra-se do sofá...

A missão da imprensa é levar ao conhecimento dos cidadãos tudo que lhe cair nas mãos e for, a seu critério, considerado relevante para os leitores. O papel do Estado é evitar essa proliferação descontrolada da bisbilhotagem eletrônica, principalmente:

1) impondo normas bem mais rigorosas para a autorização dessas escutas por parte do Judiciário, pois, por violar o direito à privacidade dos cidadãos, deveria ser sempre o último e excepcional recurso de uma investigação policial, e nunca o primeiro, como está sendo;

2) impondo máximo rigor penal contra os arapongas que efetuam escutas clandestinas e seus contratantes, bem como contra os cidadãos (inclusive autoridades) que vazam para a imprensa o material obtido em escutas legais ou ilegais.

Quanto ao primeiro item, os saudosos e/ou carentes de um estado policial objetarão que conseguir provas contra um Daniel Dantas da vida justifica quaisquer excessos. Discordo totalmente.

Ninguém passa o tempo todo telefonando para tramar maracutaias. Também trata de assuntos pessoais, que não podem nem devem ficar disponíveis para a curiosidade doentia de policiais e arapongas.

Falemos com sinceridade: na hipótese de que Dantas tivesse conversado no telefone sobre as posições em que transaria com a/o amante (sei lá qual a orientação sexual dele) e isso houvesse sido captado numa escuta, algum de vocês botaria a mão no fogo, no sentido de que o registro seria imediatamente apagado, como deveria? Fala sério. Com certeza, no mesmo dia a transcrição teria passado por um sem-número de mãos e inspirado um sem-número de gracejos maliciosos.

Nem mesmo sendo quem é, um Daniel Dantas mereceria ser ridicularizado dessa forma; muito menos a outra pessoa, não necessariamente envolvida com as atividades ilícitas de Dantas.

Então, está mais do que na hora de as escutas telefônicas passarem a ser encaradas como exceção aplicável a pouquíssimas investigações, e não como regra de praticamente todas as investigações.

Quanto a proibir-se a imprensa de tornar público o obtido nessas escutas, tem o inconveniente adicional de retirar dos cidadãos a possibilidade de darem sua versão sobre aquilo que lhes é imputado.

Os citados na imprensa têm sempre como exigir espaço para desmentidos ou justificativas. Impedidos de recorrer à mídia, os vazadores de informações utilizarão a Internet, na qual é praticamente impossível evitar o repasse da mensagem e dificílimo descobrir quem a colocou em circulação.

Ou seja, será quase nula a possibilidade de punir-se o responsável e bem mais problemático apresentar-se "o outro lado" àqueles que foram atingidos pelo e-mail acusador.

Em vez de fazer propostas descabidas como esta, cuja rejeição pelo Congresso é praticamente certa, o Governo Federal deveria, para começo de conversa, cumprir sua obrigação de reprimir as escutas ilegais e entregar à Justiça os responsáveis por tais crimes.

Um governo cujo ministro da Justiça candidamente aconselha os brasileiros a nada falarem de comprometedor ao telefone não tem moral nenhuma para ditar normas a terceiros.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

É O MÉDICI? É O PINOCHET? NÃO, É O CHÁVEZ...

"Com base nos valores constitucionais de defesa da soberania nacional e da dignidade do povo, este governo decidiu expulsar o referido cidadão."

Tal frase, referindo-se ao representante de uma entidade internacional de defesa dos direitos humanos, faz logo pensarmos no famigerado período em que pululavam ditaduras militares na América Latina.

A intolerância tacanha é a mesma, a retórica falaciosa é a mesma, mas o fato, infelizmente, é atual: trata-se do comunicado do governo de Hugo Chávez, ao expulsar da Venezuela o diretor da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco.

O motivo dessa retaliação grosseira foi a divulgação, ontem (18), do relatório do HRW sobre os 10 anos de gestão de Chávez, no qual avalia que seu governo "debilitou as instituições democráticas e as garantias de direitos humanos, já que praticou:
* controle sobre o poder judiciário;
* discriminação política aos opositores;
* limitações à liberdade de expressão e ao sindicalismo.

Segundo o documento, na Venezuela "não há separação de poderes", tanto que o Executivo impôs, mediante uma reforma realizada em 2004, a ampliação do número de cadeiras no Tribunal Supremo de Justiça, de 20 para 32, a fim de que os magistrados favoráveis ao governo se tornassem maioria.

Vivanco disse que o resultado dessa manobra foi nefasto: "Existe uma ausência de controle judicial, o que tem sido aproveitado por Chávez para aplicar políticas discriminatórias que limitam o exercício da liberdade de expressão dos jornalistas, da liberdade sindical dos trabalhadores e da capacidade da sociedade civil de promover os direitos humanos".

Enfim, lembrando Shakespeare, não adianta Calibã quebrar o espelho, pois sua imagem continuará horrorosa.

Chávez, além de bisar as práticas autoritárias das ditaduras dos anos de chumbo, agora reage de forma idêntica contra os defensores dos direitos humanos. O uso do cachimbo faz a boca torta.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O RESCALDO DA GUERRA DOS FARRAPOS EVITADA

O pré-acordo ontem (16) firmado entre o presidente Evo Morales e os cinco governadores bolivianos rebelados veio ao encontro do que eu colocara no meu artigo de sete dias antes, Bolívia em Transe ( http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2008/09/bolvia-em-transe.html ): “O melhor que podemos esperar (...) é uma solução de compromisso, com os dois lados da crise boliviana forçados a ceder para evitar-se o pior. Sendo a alternativa um genocídio, temos mais é de torcer para que a operação apaziguadora chegue a tempo”.

Os presidentes sul-americanos, surpreendentemente, mostraram-se à altura do momento, com destaque para o nosso Luiz Inácio Lula da Silva e a chilena Michelle Bachelet. Houve, sim, um massacre a lamentar-se, no departamento de Pando, cujos responsáveis têm de ser punidos exemplarmente. Mas, perdas humanas e prejuízos materiais foram irrisórios, diante dos que certamente decorreriam de uma guerra civil.

Foram insensatos e irresponsáveis os que apoiaram a via das armas, pois, vencesse quem vencesse, o resultado seria o mesmo: a desintegração de um país paupérrimo e sofrimentos atrozes impostos a uma população miserável. O isolamento político a que acabou relegado é um merecido castigo para Hugo Chávez.

Vejam o que ficou acertado:
1) o governo aceitou devolver às regiões a parcela do imposto sobre o gás que havia redirecionado para pagar pensão a idosos, e compromete-se a não mexer nas porcentagens de royalties das regiões;
2) o governo reconhece as autonomias administrativas de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija;
3) a oposição se compromete a desocupar todos os prédios públicos ocupados nas últimas três semanas e aceita ter como base da discussão o texto constitucional aprovado por constituintes governistas no final de 2007;
4) o governo suspende por um mês, prorrogável, a convocação dos referendos para promulgar a nova Carta.

Ou seja, Morales abusara do seu poder ao apropriar-se do quinhão dos governadores sobre as riquezas naturais extraídas em seus departamentos; ademais, relutava em conceder-lhes as autonomias administrativas que há muito já deveriam estar desfrutando.

A oposição, por sua vez, extrapolou todos os limites no combate às reformas políticas de Morales, incorrendo em práticas ilegais que configuravam rebelião e tendiam a desembocar num golpe de estado.

Então, o desfecho do episódio acabou sendo o melhor possível: cada lado recuou dos excessos que cometera. E não se derramou sangue por motivos fúteis.

Pois, no fundo, o que se tratava era uma disputa por bens materiais, não por valores ideológicos – mesmo porque é inimaginável a construção do socialismo num país tão atrasado (tentativas congêneres, na contramão da socialização das riquezas pré-existentes com que Marx sonhou, sempre geraram aberrações totalitárias).

Então, permito-me repetir a conclusão de outro artigo (http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2008/09/lula-brilha-na-cpula-da-unasul.html ) que escrevi no calor dos acontecimentos:

“...se o principal motivo dessa crise é a divisão da grana proveniente das riquezas naturais bolivianas (...), não vale a pena morrer gente. Com um pouco de bom senso, pode-se chegar a uma divisão desse bolo que seja aceitável para ambas as partes.

“Que os seres humanos se sacrifiquem por causas realmente nobres, como a construção de uma sociedade com liberdade e justiça social. Não por mesquinharias.”

terça-feira, 16 de setembro de 2008

OS INFAMES E OS COVARDES

Um ex-sargento sexagenário, que participou da guerra de extermínio movida pela ditadura militar contra os guerrilheiros do Araguaia e há 36 anos guardava uma seqüência fotográfica completa de dois cadáveres de combatentes do PC do B, resolveu entregá-la à Folha de S. Paulo.

Assim, ficou definitivamente comprovado que os militares deram sumiço no corpo do médico João Carlos Haas Sobrinho, um dos líderes da guerrilha.

Diz a matéria: “Procurados pela Folha, o Ministério da Defesa e o Exército informaram que não se pronunciariam sobre as fotos”.

Ou seja, o Ministério da Defesa e o Exército nada têm a dizer sobre restos mortais que estiveram sob a guarda do Estado brasileiro e não foram entregues às famílias. Nenhuma satisfação a dar. Nem justificativa, nem pedido de desculpas. Nada. Até quando?!

Vem-me à lembrança Castro Alves: “Existe um povo que a bandeira empresta/ Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!”...

LULA BRILHA NA CÚPULA DA UNASUL

O nosso Lula, quem diria, foi o destaque da cúpula de emergência da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), que lançou ontem as bases de um acordo para que seja evitada a guerra civil na Bolívia.

Enquanto os outros presidentes perdiam tempo com críticas à instigação irresponsável de Chávez e à mão oculta de Bush, Lula foi ao xis da questão, ao dizer que, se Morales optasse por reprimir os opositores, não havia nada que a Unasul pudesse fazer.

O presidente boliviano concordou, então, em permitir que a Unasul atue como mediadora do diálogo entre o poder central e os cinco governadores de oposição rebelados, desde que os inimigos saiam dos edifícios públicos por eles ocupados e que uma comissão internacional investigue o massacre de camponeses legalistas em Pando.

Prevaleceu o bom senso: se o principal motivo dessa crise é a divisão da grana proveniente das riquezas naturais bolivianas (os governadores pleiteiam participação no que é extraído em suas províncias e Morales nega), não vale a pena morrer gente. Com um pouco de bom senso, pode-se chegar a uma divisão desse bolo que seja aceitável para ambas as partes.

Que os seres humanos se sacrifiquem por causas realmente nobres, como a construção de uma sociedade com liberdade e justiça social. Não por mesquinharias.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

VEJA A QUE PONTO CHEGA A SORDIDEZ DA veja

"Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores brasileiros ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado. ("Prontos para o século XIX", retranca complementar da matéria-de-capa "Você sabe o que estão ensinando a ele?", edição 2.074 da revista Veja - http://veja.abril.com.br/200808/p_076.shtml )

"Para satisfazer parte da elite inescrupulosa e de uma classe média brasileira medíocre que tem a Veja como seu Norte e Bíblia, esta matéria revela quase tão somente temerem as idéias de um homem humilde, que conheceu a fome dos nordestinos, e que na sua altivez e dignidade restaurou a esperança no Brasil. Apavorada com o que Paulo plantou, com sacrifício e inteligência, a Veja quer torná-lo insignificante e os/as que a fazem, vendendo a sua força de trabalho, pensam que podem a qualquer custo, eliminar do espaço escolar o que há de mais importante na educação das crianças, jovens e adultos: o pensar e a formação da cidadania de todas as pessoas de nosso país, independentemente de sua classe social, etnia, gênero, idade ou religião. Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de concluir que os pais, alunos e educadores escutaram a voz de Paulo, a validando e praticando. Portanto, a sociedade brasileira está no caminho certo para a construção da autêntica democracia. (resposta de Ana Maria Araújo Freire, viúva de Paulo Freire - http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/viuva-de-freire-escreve-carta-de-repudio-a-veja/ )

Acreditando que os textos falem por si, recomendo aos meus leitores que leiam a íntegra das duas manifestações e tirem suas conclusões.

Só gostaria de acrescentar que, se eu tivesse sido consultado, Paulo Freire ganharia de 30 x 6 de Albert Einstein. Não por uma comparação da contribuição científica de cada um, mas porque a ingenuidade política de Einstein está associada a um dos maiores crimes contra a humanidade do século passado: a destruição de Hiroshima e Nagasaki.

É que físicos asilados nos EUA para escapar das perseguições do nazi-fascismo, temerosos do que Hitler poderia fazer com a bomba atômica, recorreram em 1939 a Einstein, pedindo sua ajuda para convencerem o governo estadunidense a iniciar seu próprio programa nuclear. Estavam há anos tentando conseguir verbas, em vão.

Einstein assinou a carta por eles escrita e a encaminhou ao presidente Roosevelt que, diante do peso da autoridade do maior físico vivo, encampou a idéia.

Quando os aliados vitoriosos ocuparam os centros em que os alemães tentavam criar sua bomba atômica, descobriram que o programa ainda estava num estágio bem embrionário. Ou seja, havia sido só um rebate falso.

O excesso de zelo de Leo Szilard, Enrico Fermi & cia., mais a malfadada assinatura de Einstein, dotaram os EUA de uma arma devastadora. E, como armas são produzidas para serem usadas, o fraquíssimo presidente Harry S. Truman mandou atirá-las sobre um Japão já vencido e que buscava apenas uma fórmula de rendição menos humilhante (queria preservar seu imperador).

O maior horror que a humanidade já presenciara foi, na verdade, apenas uma demonstração prática do potencial destruidor da bomba atômica, para intimidar Joseph Stalin, com quem Truman estava prestes a discutir a partilha do mundo.

Durante as décadas seguintes, o temor de uma guerra atômica entre EUA e URSS foi um pesadelo constante, com a ameaça chegando muito perto de concretizar-se durante a crise dos mísseis cubanos, em 1962.

Como as boas intenções pavimentam o caminho para o inferno, permito-me não acompanhar as loas generalizadas a Einstein. O "maior gênio da história da humanidade" se revelou um trapalhão funesto na principal atitude que tomou fora da torre de marfim.

O SERIAL KILLER Nº 1 DA ATUALIDADE: BUSH

O governo do cowboy George W. Bush recebeu em agosto a informação de que havia integrantes do grupo fundamentalista Taleban em determinada aldeia do Afeganistão. Bombardeou o local e saiu anunciando a morte de mais de 35 "terroristas islâmicos", inclusive um comandante.

A polícia afegã acaba de prender os três cidadãos que teriam passado informações falsas aos EUA. Os alvos eram inocentes. E os mortos totalizaram, na verdade, mais de 90 civis, incluindo 60 crianças, segundo relatório preliminar da ONU.

Certa vez eu afirmei que, tanto quanto Saddam Hussein o foi e Osama Bin Laden certamente o será (se capturado), Bush também mereceria ser julgado por genocídio e crimes contra a humanidade. Com o detalhe de que, dos três, é o mais poltrão. Os outros dois pelo menos correram riscos por suas convicções.

domingo, 14 de setembro de 2008

OPERAÇÃO SATIABUTRES

Quanto mais mexem nos detritos da finada Operação Satiagraha, pior o cheiro que exala. Nesta semana ficamos sabendo que dela participaram 52 agentes da Abin, sucessora do SNI, de triste memória para quem combateu a ditadura militar.

Agora, a revista Época acrescenta que também os serviços de Inteligência das Forças Armadas estiveram envolvidos. Aqueles mesmos que coordenaram a repressão nos anos de chumbo, apontando os alvos para as bestas-feras do DOI-Codi e analisando as informações arrancadas dos resistentes à custa de torturas e mortes.

Não sei quantos esqueletos mais sairão desse armário. É capaz de até o Brilhante Ustra ter dado uma forcinha pro Protógenes...

BOMBEIROS E INCENDIÁRIOS NA CRISE BOLIVIANA

Os presidentes das nações sul-americanas, principalmente nosso Lula e a chilena Michelle Bachelet, estão se comportando muito bem face à turbulência boliviana: tentam, por todas as maneiras, evitar o derramamento inútil de sangue e a desintegração de um país que já é paupérrimo. Tomara que sua nova tentativa de pacificação seja bem-sucedida.

Já Hugo Chávez continua brincando com fogo. Chega ao cúmulo de se arvorar em juiz das atitudes do comandante-em-chefe das Forças Armadas bolivianas, a quem acusa de, com outros generais, "fazer uma espécie de greve que permitiu aos fascistas massacrarem o povo da Bolívia".

Foi a resposta que ele encontrou para a posição correta de Luís Trigo, descartando ingerências estrangeiras no conflito, provenham de onde provierem. Chávez, que prometera intervir militarmente no caso de derrubada ou morte de Evo Morales, sentiu-se insultado.

Por que não se cala? Suas bravatas inoportunas causaram mal-estar nas próprias fileiras governistas bolivianas, já que Morales cultiva a imagem de nacionalista e, dessa forma, fica parecendo um títere de Chávez.

A ordem de prisão do governador de Pando pode ser a gota d'água para o fim das negociações. Se cumprida, sinalizará que o encaminhamento das divergências passou para o terreno militar. É uma via que sabe-se sempre como começa, mas nunca como terminará.

Mas, as lições dos episódios anteriores nos permitem afirmar, sem medo de errar, que será muito mal.

sábado, 13 de setembro de 2008

A BOLÍVIA MARCHA PARA O CAOS

Na madrugada deste sábado, a Bolívia marcha para o caos.

Já houve enfrentamentos entre partidários e opositores do presidente Evo Morales no departamento de Pando, que foi colocado sob estado de sítio. O número de mortos estaria entre 8 e 14, segundo as diversas versões.

O presidente venezuelano Hugo Chávez prometeu intervir com tropas "se derrubarem ou matarem Evo". O comandante-em-chefe das Forças Armadas bolivianas rechaçou "enfaticamente intervenções internacionais de qualquer tipo, não importa de onde venham".

O governo acusa seus inimigos de terem cometido um atentado a bomba contra um gasoduto na região de Yacuiba. O bombeamento de gás natural para o Brasil e a Argentina esteve temporariamente afetado.

Morales e Chávez expulsaram os embaixadores estadunidenses. Os EUA pagaram na mesma moeda.

O colunista Josias de Souza, da Folha de S. Paulo, garante que Morales concordou em receber uma missão de paz, integrada por diplomatas brasileiros, venezuelanos e colombianos, depois voltando atrás, para irritação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Enfim, todos os indícios são de que a crise boliviana desembocará em:
  1. guerra civil;
  2. golpe de extrema-direita, seguido de repressão violenta sobre os legalistas;
  3. vitória de Morales, seguida de repressão violenta sobre os golpistas.
Há companheiros da esquerda brasileira que, como sempre, favorecem o partido da guerra -- o que é uma opção confortável para quem dela não participará.

Eu, que já estive suficientemente próximo do fogo para me queimar, apelo à OEA e às nações latino-americanas, no sentido de que insistam nos seus esforços para evitar matanças inúteis.

Qualquer cidadão com o mínimo bom-senso concluirá que, em qualquer dos três desdobramentos que apontei acima, o resultado final será a devastação da Bolívia.

Nem preciso explicar como isto se dará havendo guerra civil.

E salta aos olhos que, vencendo Morales ou vencendo os golpistas, os aliados dos derrotados reagirão, seja intervindo militarmente, seja estimulando atos radicais, seja impondo embargo comercial.

A Bolívia, que já é paupérrima, será levada a uma situação catastrófica, tornando-se um novo Iraque, Biafra ou Bangladesh.

Eu, que sempre encarei a revolução como a parteira da História, para darmos à luz um estágio superior de civilização, não compactuarei jamais com esses confrontos insensatos, nos quais todos perdem, o país se desintegra e o povo sofre. É este, visivelmente, o caso boliviano.

Então, repito: os atores políticos bolivianos já não conseguem deter a marcha para o caos. Só um esforço internacional conseguirá evitar o pior.

LEIAM TAMBÉM: http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2008/09/bolvia-em-transe.html

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

SUBORNO TAMBÉM VALE NA CAMPANHA PRÓ-PARTO NORMAL

Tenho tomado conhecimento de um sem-número de relatos de famílias indignadas com a imposição do parto normal às gestantes na rede pública, ignorando seus protestos e súplicas, com terríveis consequências (morte ou danos graves à saúde da parturiente e/ou da criança).

O que pensei inicialmente tratar-se de uma iniciativa isolada da Secretaria da Saúde de São Paulo - cujo Hospital da Vila Alpina foi palco de vários episódios escabrosos -, é, na verdade, fruto de um empenho das autoridades federais no sentido de evitar a proliferação das cesáreas, que representaram 43% dos partos brasileiros em 2007, enquanto a média mundial é de 15%.

Minha convicção foi revorçada pelo artigo do professor de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, Antonio Carlos Lopes, publicado na edição de 12/09/2008 da Folha de S. Paulo: Parto normal ou cesárea?

Lopes, que também preside a Sociedade Brasileira de Clínica Médica, informa que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) "anunciou um pacote de supostos benefícios a vigorar a partir de dezembro na tentativa de incentivar o parto normal".

Assim, será oferecido às mães:
  • a presença do acompanhante antes, durante e após o parto;
  • quartos com até duas gestantes;
  • a possibilidade de o bebê ficar ao lado da mãe no quarto, se não houver impedimento clínico; e
  • a liberdade de escolha da mulher, também se não houver impedimento clínico, quanto à posição em que dará à luz (de cócoras ou deitada).
Sendo o Brasil como é, não me causa surpresa que, antes da tentativa de persuasão, já estivessem recorrendo à imposição pura e simples. O autoritarismo e o elitismo têm raízes profundas nestes tristes trópicos.

O respeitado especialista de 62 anos considera "nem sempre felizes" as propostas que estão sendo discutidas entre médicos, governo e sociedade para incentivar o parto normal, além de ressalvar que "a medicina determina algumas situações em que o médico tem, necessariamente, de optar pela cesárea".

E refuta veementemente que o projeto da Anvisa represente mesmo "uma tentativa de incentivar a humanização do parto":
- Humanização? Humanização tem origem na escola, no ensino médico de qualidade, na segurança e no conforto a todas as gestantes, independentemente da indicação clínica para o tipo de parto. A humanização deve contemplar maternidades e centros obstétricos e enfermagem obstétrica à altura do bem-estar materno-fetal. Também envolve extinguir as malfadadas casas de parto, que se prestam apenas aos menos favorecidos, enquanto os que as preconizam buscam para suas filhas e esposas as melhores maternidades e os melhores obstetras.

Minha posição é de que o Estado tem todo direito de fazer proselitismo em favor do parto normal, mas excede suas atribuições ao oferecer benefícios diferenciados às parturientes e comete um crime quando impõe o procedimento de sua preferência (coincidentemente, o de menor custo) àquelas que preferem a cesárea.

Afora os inúmeros casos denunciados em que o parto normal não parecia ser o mais indicado, foi imposto ARBITRARIAMENTE e acabou tendo resultados trágicos, eu defendo, inclusive, o direito da gestante de não querer passar pelas dores do parto.

Inexistindo impedimento clínico, cabe a elas - e a mais ninguém - decidir a intensidade de dor que estão dispostas a suportar.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

AS FANÁTICAS CONTRA-ATACAM

As fanáticas defensoras do tal parto humanizado novamente receberam a tarefa de mandarem refutações ao meu artigo, desta vez o de anteontem, HOSPITAL PAULISTANO IMPÕE PARTO NORMAL ÀS PACIENTES POBRES ( http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2008/09/hospital-paulistano-impe-parto-normal-s.html ).

Só que fizeram mal a lição de casa, postando os comentários no meu outro blog, O Rebate. Como o lugar certo é aqui e não lá, simplesmente deletei todos...

Mas, em outros lugares em que meu artigo está no ar, também surgiram aqueles argumentos de sempre, que não vão ao fundo da questão que abordei.

Então, para evitar perda de tempo, vou colar aqui a resposta que dei a uma leitora do Região-On-Line. Serve para todas as outras que vierem apenas proclamar que parto normal é melhor do que a cesárea. Aquelas que não tiverem nada melhor para dizer, por favor, não percam seu tempo e o meu.

Minha cara fulana,

não entrei jamais na avaliação comparativa de parto normal x cesárea, por não ser médico.

A minha denúncia, que está sendo corroborada por depoimentos de leitoras de todo o Brasil, é de que o parto normal está sendo imposto às pacientes da rede pública, sem lhes dar o direito de escolha.

Pensei tratar-se de um problema apenas de SP, mas hoje fiquei sabendo que se trata da ponta de um iceberg, pois há empenho do próprio Ministério da Saúde nesse sentido.

Considero que:

1) governos e entidades da sociedade civil têm todo direito de recomendarem e fazerem proselitismo em favor do parto normal;

2) mas, nenhum direito de o imporem às pacientes da rede pública, não lhes permitindo optar pela cesárea;

3) pipocam relatos de todos os cantos, de que partos de alto risco foram realizados pela via normal, contra a vontade das pacientes e suas famílias, com resultados desastrosos (morte da parturiente ou da criança, danos graves a uma e/ou a outra);

4) nestes casos em que foi o Estado que fez a escolha e esta se demonstrou catastrófica, no meu entender, as vítimas devem ser indenizadas.

Acrescento que juristas de renome, defensores dos direitos humanos, estão empenhados em sanar essa situação vergonhosa, de negar-se às parturientes pobres o direito de decidirem elas próprias se aceitam ou não suportar as dores de um parto normal.

O certo é que a expressiva maioria das clientes de convênios particulares prefere a cesárea. Considero autoritária a imposição do parto normal às mulheres pobres, criando duas classes de brasileiras, com direitos diferentes.

Atenciosamente,

CELSO LUNGARETTI

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A MEGERA DA HISTÓRIA

"Ninguém me defendeu. Eduardo mostrou seu sofrimento em público e eu remoí minhas aflições em particular. Com isso, tornei-me a megera da história."

A lamúria é de Marta Suplicy, no livro Minha Vida de Prefeita, que ela está lançando hoje. Refere-se ao episódio de sua separação de Eduardo Suplicy, trocado por Luís Favre, único caso que conheço de trotskista que preferiu ser cidadão do 1º mundo (França) que do 3º mundo (Argentina). O velho Leon, com certeza, o remeteria para a lixeira da História...

Quanto à separação do casal Suplicy, o que mais choca as pessoas de bem foi ter sido anunciada muito depois de consumada (antes, Marta aproveitou o prestígio do marido rejeitado para eleger-se prefeita); e o fato de ela até hoje extrair dividendos políticos do sobrenome digno.

A sorte de Marta Favre é que os paulistanos parecem não importar-se com estelionatos eleitorais...

JÁ VI ESSE FILME E NÃO GOSTEI DO FINAL

O governo de Evo Morales foi, desde o início, de uma inabilidade a toda prova. Apostou num confronto aberto com a oligarquia boliviana, tendo apenas a massa ao seu lado -- cenário em que a direita acaba sempre prevalecendo, como ocorreu no Brasil de João Goulart e no Chile de Salvador Allende.

Em meus tempos de movimento estudantil, ironizávamos essa crença simplória de que o zé povinho pudesse enfrentar inimigos bem armados e bem treinados. Atribuíamos a certos agrupamentos de esquerda o slogan "a massa amassa"...

Mas, quando se desenha na Bolívia um golpe de estado em tudo e por tudo semelhante ao de Pinochet, temos de nos posicionar incondicionalmente em defesa da legalidade. Evo Morales foi democraticamente eleito e tem o direito de cumprir seu mandato até o último dia.

Foi, aliás, a posição que eu adotei quando da fracassada arregimentação do Cansei. Sou o último brasileiro a admirar o governo do Lula, mas me coloquei firmemente contra qualquer tentativa golpista.

Precisamos acabar com essa tradição de viradas de mesa que nos define como meras repúblicas das bananas. Mandatos legítimos têm de ser respeitados, por menos que apreciemos seus detentores. E ponto final.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

HOSPITAL PAULISTANO IMPÕE PARTO NORMAL ÀS GESTANTES POBRES

Em julho noticiei e comentei no meu outro blog, O Rebate, que uma mulher fora praticamente assassinada pela incúria do Hospital Estadual de Vila Alpina (na capital paulista), o qual, mesmo diante das evidências gritantes de que se tratava de procedimento de alto risco, ainda assim a submeteu a longa espera na tentativa de forçar o parto normal.

Foi o suficiente para eu receber uma enxurrada de mensagens de um tal GestaMga, grupo de mulheres defensoras do parto normal, tentando me convencer de que se tratava de uma fatalidade e que o chamado parto humanizado é infinitamente superior à cesárea.

Eu me baseara na reportagem de um jornal de bairro que me caiu por acaso nas mãos, a Folha da Vila Prudente. Tive interesse em acessá-lo nas semanas seguintes e acompanhei os desdobramentos do episódio: outras famílias se queixando de danos terríveis às parturientes ou aos bebês pela mesmíssima insistência em forçarem o parto normal, contra a vontade das pacientes; panos quentes e explicações inconvincentes da Secretaria de Saúde; alguma repercussão na mídia.

Liguei para o repórter responsável pela série, Rafael Gonçalo, e fiquei sabendo que a proporção de partos normais no Hospital da Vila Alpina ultrapassa 75%. Trata-se, em suma, de hospital escolhido pela Secretaria de Saúde como cartão postal das excelências do tal parto humanizado. Daí o empenho das fanáticas do GestaMga em abafar o caso.

Mas, se esse grupo me pareceu um tipo de Liga das Senhoras Católicas -- mulheres ricas atrás de alguma ocupação para preencher seu tempo ocioso --, desconfio que o empenho da Secretaria da Saúde não se deva apenas à obsessão em impor às coitadezas a solução que é melhor para elas. Afinal, o parto normal sai muito mais barato para os cofres estaduais e a vida me ensinou que quem pensa o pior dos governos, quase sempre acerta.

Enfim, autoridades e fanáticas têm todo direito de tentarem persuadir as gestantes pobres de que o parto normal é melhor para elas, mas nenhum direito de forçá-las a abdicar da cesárea, se é o que elas preferem.

E, muito menos, de agirem sorrateiramente, não esclarecendo de antemão à gestante que tudo farão para que o parto seja normal.

Essas infelizes obrigadas a recorrer à rede pública estão, na verdade, servindo inadvertidamente como garotas-propaganda de uma campanha promocional do parto humanizado.

Isto é tão inadmissível quanto as experiências com cobaias humanas que os nazistas desenvolviam e nos causam tanta repugnância quando as vemos nos filmes.

Parece que perdemos a capacidade de indignarmo-nos com os descalabros presentes.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

SOBRE RITOS DE PASSAGEM E CANTOS DO CISNE

Roger Federer deu um grande passo em sua perseguição a Pete Sampras, de quem tenta arrebatar o cetro de principal colecionador de títulos dos quatro principais torneios do tênis mundial (o chamado  Grand Slam).

São só quatro por ano e Federer, em aparente declínio, não ganhara nenhum em 2008. Mas, aproveitou bem sua última chance de não passar a temporada em branco: o Aberto dos EUA.
Tem, agora, um grande incentivo para confrontar o  furacão Nadal em 2009: a perspectiva de, ganhando mais dois torneios, tornar-se o indiscutível maior tenista de todos os tempos.

Federer foi (definitivamente?) desalojado da posição de nº 1 das quadras por Nadal, mas ainda tem chance de fechar com chave de ouro sua carreira, superando os 14 Grand Slam de Sampras. Só que terá de fazê-lo logo, em 2009 ou 2010, pois a idade vai ser, cada vez mais, sua inimiga.

Sempre fui fascinado pelos dramas humanos no esporte. Duas situações, em especial, me atraem muito: os grandes veteranos em busca de um canto do cisne à altura e o rito de passagem (momento de afirmação) dos jovens talentos.

Na primeira categoria, claro, a principal proeza foi a vitória de Muhammad Ali sobre George Foreman na maior luta de boxe de todos os tempos.

Depois de passar anos fora dos ringues em razão da injusta pena que recebeu da máfia do pugilismo por se recusar a vestir a farda dos EUA na Guerra do Vietnã, teve de enfrentar um campeão jovem e poderosíssimo.

A apreensão generalizada era de que Ali, além de derrotado, sairia morto do ringue. Mas, com uma força de vontade incomum e um discernimento mais raro ainda entre boxeadores, encontrou a tática capaz de fazer Davi vencer Golias: deixar-se golpear nas cordas por intermináveis assaltos, confiando na sua guarda e esperando o cansaço minar Foreman.

No oitavo round o gigante vacilou e Ali, com uma energia da qual ninguém o julgava capaz, desferiu uma sequência fulminante de golpes em alta velocidade, fazendo Foreman desabar lentamente, como uma torre. Um momento épico.

Poucos notaram, entretanto, que o castigo contínuo a que Ali fora submetido lhe causou até um rápido desmaio durante a comemoração do triunfo. Talvez ele tenha sido o mais próximo que já vimos de um super-homem: um pugilista estilístico, que lutava de forma inteligente e artística mas, ao mesmo tempo, tinha extrema resistência à dor.

Certa vez sua mandíbula foi fraturada no 2º assalto por Ken Norton e, mesmo assim, ele resistiu até o final da luta, para perder apenas por pontos. Foi um assombro no mundo do boxe. Ali não só exibia um ego gigantesco, mas se mostrava sempre à altura do personagem que criara para si próprio...

Na categoria de rito de passagem, o mais exemplar foi o de Garry Kasparov. Ousado no xadrez e na vida, ele era visto como uma ovelha negra pelos trombas do regime soviético, pois não se prostrava à burocracia dominante.

Então, ao desafiar o conformista Anatoly Karpov pelo posto de nº 1 do xadrez mundial, os fatores esportivos e políticos se confundiram na disputa. Era um franco-atirador enfrentando o poderoso stablishment enxadrístico da URSS.

Burocrático no xadrez como na política, Karpov começou se defendendo bem e aproveitando os erros de Kasparov, que se lançava com volúpia ao ataque. Colocou 5 x 1 no marcador. Precisava só da sexta vitória para vencer o match.

Aí Kasparov resolveu responder na mesma moeda: retrancou o seu jogo e não correu mais risco nenhum. Deu-se, então, uma sequência infernal de empates, uns vinte, se bem me lembro.

O franzino Karpov tinha menos resistência física e mental: na 47ª partida começou a desmoronar. Perdeu essa e a seguinte. Como as regras não admitiam interrupção por decisão médica, só lhe restava entregar os pontos ou ir para o tabuleiro sofrer mais três derrotas. Estava inapelavelmente vencido.

Foi quando o presidente da federação, um filipino, anulou o match por "desumanidade". Decisão criticadíssima. E, quando nova disputa se travou a partir do zero, alguns meses depois, Kasparov, claro, massacrou Karpov.

Um enxadrista brasileiro (talvez Helder Câmara), comentando diariamente o match no Jornal da Tarde, avaliou: ao superar seu maior desafio, caminhando no fio da navalha, o menino Kasparov se tornara um homem. Perfeito.

Nos últimos anos, torci muito para que Andre Agassi e Zinedine Zidaine tivessem cantos do cisne fulgurantes; subi nas paredes quando uma maldita quebra do motor impediu Michael Schumacher de encerrar a carreira como campeão; e fiquei imensamente frustrado por Oscar Schmidt ter abandonado as quadras sem o reconhecimento oficial de que foi o maior cestinha de todos os tempos.

Agora, estou torcendo para Federer e Ronaldinho Gaúcho darem a volta por cima. E para o menino Messi sair-se bem no seu rito de passagem, tornando-se um novo Maradona.

domingo, 7 de setembro de 2008

AS PENAS DOS ARAPONGAS FORAM PARA O VENTILADOR

As arbitrariedades cometidas nos últimos meses por agentes da Polícia Federal e da Agência Brasileira de Inteligência são expostas e dissecadas em mais uma reportagem jornalística competente e esclarecedora: a matéria-de-capa da revista IstoÉ de 05/09/2008,
Os olhos por trás do grampo ( http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2027/artigo101236-1.htm ).

Eis os trechos mais significativos:

"Segundo arapongas revelaram à ISTOÉ, a operação [Santiagraha] gravou conversas e monitorou os passos de 18 senadores, 26 deputados, do secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, da ministra Dilma Rousseff, de ministros do STF e do STJ, advogados, lobistas e inúmeros jornalistas. "O Protógenes tem em mãos um arsenal que destrói o governo passado, o atual e o próximo", revelou [o coordenador da equipe de espiões] Ambrósio a um amigo.

"Agentes ouvidos por ISTOÉ confirmam o que as autoridades suspeitam: a liberdade com que os espiões trabalharam, sem prestar contas à Justiça ou a superiores, levou a Satiagraha a descambar para uma grande teia de escutas e filmagens que nada tinham a ver com o objetivo inicial.

"O descontrole sobre as ações do grupo de Protógenes e do espião Ambrósio ajudam a embasar as desconfianças daqueles que acusam a PF de trabalhar com fins políticos. A PF e os agentes da Abin conseguiram gravar ilegalmente senadores, deputados, ministros e autoridades do Judiciário. No entanto, se mostraram incapazes de cumprir uma determinação do STF que mandou monitorar as conversas telefônicas do ex-secretário nacional do PT Romênio Pereira, suspeito de participar de um esquema que desviou do Orçamento da União R$ 700 milhões dos cofres públicos."

sábado, 6 de setembro de 2008

VIDEOTAS UNIDOS DA AMÉRICA

A campanha eleitoral estadunidense merece mais espaço na imprensa brasileira do que, talvez, até nos Estados Unidos. Uma vez colonizado, sempre colonizado...

Afora a ingenuidade em supor-se que algo vá mudar substancialmente para nós se eleito Obama ou McCain, nota-se aquele fascínio embasbacado dos bugres pelo país por eles adotado como modelo do que querem ser quando crescerem.

Mas, é um péssimo exemplo, começando por esse ridículo sobe-e-desce dos candidatos presidenciais na pesquisa de opinião, atestando o que os (poucos) bem pensantes estão carecas de saber: tirando Nova York, San Francisco e alguns outros oásis de vida inteligente, os EUA são uma jequeira só.

É o país dos videotas, capazes de acreditar em qualquer bobagem que apareça na maldita telinha (que agora está virando telona, para melhor mesmerizar os bobos). Mudam de opinião umas 50 vezes por mês, a partir do impacto dos eventos de campanha e das espertezas dos Dudas Mendonças de lá.

Então, neste sábado resolvi dar uma dica de literatura: o sarcástico O Videota, do escritor polonês Jerzy Kosinski, que mostra como é patético um cidadão com a cabeça feita pela TV; e como é patética uma sociedade que já não distingue idiotas de sábios.

Em tempo: não pensem que o livro foi fielmente transposto por Hal Ashby para o cinema. Nem remotamente. Muito Além do Jardim segue a norma de Hollywood de, ao adaptá-las para o cinema, atenuar as críticas mais corrosivas que certas obras literárias fazem ao american way of life.

É o retrato sem retoques de uma sociedade em que a máquina de fazer doidos transforma a todos em cérebros de galinha, para que nada mude nunca. Exatamente o que boa parte de nossa grande imprensa almeja para o Brasil.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

PROFISSÃO DE FÉ

Nunca tive fascínio especial por ser blogueiro. Meu objetivo foi apenas o de reagir à blindagem da grande imprensa, que já não abre espaço nem fornece tribuna aos articulistas de esquerda.

No entanto, como em tudo que faço, estou procurando desempenhar bem este papel que me atribuí.

Os parâmetros que sigo no meu blog são os mesmos que sigo em minha vida:
  1. Sou e sempre serei um homem de esquerda, ou seja, considero que os objetivos maiores da humanidade são irrealizáveis sob o capitalismo;
  2. Portanto, não estou empenhado em aprimorar ou moralizar o capitalismo, mas sim em criar uma sociedade nova que concretize as aspirações milenares de liberdade e justiça social;
  3. E o que eu quero ver criado é exatamente o "reino da liberdade, para além da necessidade" prometido por Marx, no qual cada indivíduo tenha garantido o necessário para uma sobrevivência digna e possa, livre dos grilhões da necessidade, desenvolver plenamente suas potencialidades;
  4. Acredito também na verdade dialética de que meios e fins estão em permanente interação, de forma que um fim nobre não pode ser atingido por meios indignos, mas, pelo contrário, o recurso aos meios indignos contamina e desvirtua o fim;
  5. Então, o respeito aos direitos humanos deve permear todo o processo revolucionário, se o que se pretende construir é uma sociedade de homens verdadeiramente livres e plenos;
  6. O stalinismo é uma distorção e uma aberração que até hoje contamina a esquerda, com sua prática autoritária de impor uma posição como a única aceitável, enquanto todas as demais favoreceriam o inimigo;
  7. O pensamento crítico é a alternativa a essa prática de rolo compressor, adotada por grande parte da esquerda organizada e aparelhista.
Então, este blog se define como um espaço para os ideais de esquerda, para o exercício do pensamento crítico e para a defesa intransigente dos direitos humanos, sem priorizar nenhuma destas três linhas-mestras.

Pois, só tornaremos realidade os sonhos dos grandes revolucionários (inclusive os anarquistas) se conseguirmos fazer com que esses valores sejam complementares e simultaneamente concretizados. Jamais excludentes.

Quem pretende criar uma sociedade com justiça social mediante práticas autoritárias e por meio da arregimentação de fanáticos, na verdade estará engendrando um monstro.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

TUDO COMO DANTES NO QUARTEL D'ABRANTES

O episódio dos três rapazes de SP que confessaram sob torturas um crime do qual eram inocentes, permanecendo presos durante dois longos anos numa cela superlotada, nos traz imediatamente à lembrança o clássico O Caso dos Irmãos Nave, de Luiz Sérgio Person.

Já se passaram 41 anos desde que o filme foi lançado e sete décadas desde a ocorrência verídica: dois irmãos igualmente acusados de um assassinato que não haviam cometido, torturados e injustiçados.

Aqueles que hoje exibem indignação diante das câmaras e prometem providências enérgicas são dignos membros da elite que, antes e depois do caso dos Irmãos Nave, jamais se preocupou com os maus-tratos infligidos a cidadãos brasileiros por uma polícia incompetente e truculenta.

O cineasta Person dava a entender que algo assim só poderia ter acontecido no clima de desrespeito aos direitos humanos característico de uma ditadura como a de Getúlio Vargas.

Errado. Durante o governo companheiro do Lula, em pleno século XXI, a História se repete. Talvez porque, parafraseando a frase célebre de Hegel, os governos, todos os governos, sejam uma farsa.

Lula e os tucanos que têm governado São Paulo nada de concreto fizeram para que essas práticas hediondas se tornassem o que deveriam ser: marcos de um passado infame, motivo de revolta e vergonha para qualquer indivíduo civilizado.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

POR BAIXO DOS PANOS, ABIN FAZIA O QUE ESTAVA PROIBIDA DE FAZER

Como sempre ocorre, só dias depois é que ficamos sabendo como transcorreu uma reunião importante em Brasília. Leva certo tempo para alguns dos partipantes dar com a língua nos dentes.

Então, a Folha de S. Paulo de hoje esclarece que o motivo do afastamento da diretoria da Abin foi ter secretamente adquirido uma aparelhagem sofisticadíssima para efetuar o que a agência está proibida de fazer e que, além disto, não ser feito sem ordem judicial: interceptações telefônicas.

Desde o primeiro momento eu afirmei que Paulo Lacerda deveria ser exonerado. Agora, até um néscio percebe que não resta outro caminho além da conversão do afastamento provisório em definitivo.

Isto é o mínimo para quem ousou espionar expoentes dos três Poderes. Na verdade, o crime cometido foi tão grave que o responsável jamais escaparia de uma pena de prisão, num país sério.

De resto, espero que agora caia a ficha para os companheiros de esquerda: é uma temeridade confiarmos em serviços de espionagem, que existem para manter o status quo e invariavelmente cedem à compulsão de abusar dos seus poderes. Só tolos armam aqueles que, no frigir dos ovos, acabarão alinhados com seus inimigos.

Eis os principais trechos da notícia da Folha:

"A Abin adquiriu ilegalmente maletas de interceptação telefônica, revelou o ministro Nelson Jobim (Defesa) durante reunião de coordenação política do governo, anteontem à noite, no Palácio do Planalto.

"A informação foi decisiva para o afastamento do diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda.

"A revelação surpreendeu o presidente Lula, o vice José Alencar e outros seis ministros presentes, segundo relatos obtidos pela Folha. Por lei, a Abin é proibida de fazer escutas. As maletas podem fazer grampos em celulares sem depender de operadoras telefônicas e, por isso, em tese, sem a necessidade de autorização judicial.

"A informação deixou Lacerda em situação insustentável.

"Além de lançar novas suspeitas sobre a Abin no episódio envolvendo o grampo ilegal do presidente do STF (...), contradiz seu depoimento na CPI dos Grampos, no dia 20 de agosto. Na ocasião, Lacerda negou que a Abin faça escutas.

"A Defesa descobriu que a Abin adquiriu o equipamento por meio do sistema de compras do governo. Jobim recebeu documentos mostrando que a agência aproveitou uma licitação já feita pelas Forças Armadas para não ter de iniciar um novo processo.

"Esses equipamentos de interceptação estão hoje entre os mais modernos do mundo, usados por unidades de elite da Europa e dos EUA.

"As maletas custam em torno de US$ 500 mil e são capazes de varrer as comunicações mantidas por meio de uma determinada ERB (Estação Rádio Base) - antena instalada pelas operadoras em postes e em cima de edifícios -, interceptar um sinal telefônico específico no ar e o decodificar."

terça-feira, 2 de setembro de 2008

MEIO CAMINHO ANDADO. E AGORA?

O presidente Lula fez ontem o que deveria ter feito logo que a revista Veja foi para as bancas, na manhã do sábado: afastar a diretoria da Agência Brasileira de Inteligência enquanto se investigam crimes que ela pode ter ordenado, consentido ou foi incapaz de evitar que ocorressem sob seu nariz.

No entanto, o diretor Paulo Lacerda já deveria ter sido exonerado -- e em definitivo! -- quando se soube que monitorou a Operação Satiagraha e envolveu sigilosamente seus quadros numa investigação que competia à Polícia Federal.

Ex-diretores de uma instituição não têm nada de ficar apontando alvos a devotos que preferem manter-se-lhes fiéis do que obedecer aos novos chefes. Muito menos quando se trata de um desafeto como o Daniel Dantas, com quem tem rixa pessoal.

Funcionários do Estado existem para fazer as leis serem cumpridas, não para utilizá-las em seu próprio benefício, como instrumento de retaliação; ou, pior ainda, para decidir o destino de negociatas em curso (em Brasília ninguém é santo, então jamais pode ser excluída a hipótese de que, além de vingança e disputa de poder, haja também a motivação do dinheiro sujo).

Por ter teleguiado a Operação Santiagraha e por haver disponibilizado sorrateiramente quadros da Abin para uma investigação da PF, Lacerda já se mostrou indigno de permanecer em seu posto.

Daí o conselho que dou ao presidente Lula, na esperança de que ele acabe fazendo o certo, com a demora de praxe (desde a manhã de domingo eu escrevia aqui que Lacerda deveria ser afastado): não alivie para o diretor da Abin, nem coloque panos quentes na questão.

V. Exa. agiu ontem sob pressão, e com tamanha má vontade que esperou o dia inteiro para anunciar a única decisão cabível, provavelmente para que não entrasse com destaque no Jornal Nacional. Com isto, ganhou tempo.

No entanto, ao final da investigação, se no parto da montanha for parido um rato, V. Exa. ficará responsável por quaisquer transgressões congêneres do Lacerda. No caso de reincidência, a responsabilidade será atirada nas vossas costas, por todos aqueles que ontem foram apaziguados a muito custo.

Então, presidente Lula, as perguntas são: V. Exa. tem certeza de que o Lacerda não delinqüirá? Está disposto a colocar a mão no fogo por ele?

No vosso lugar, eu preferiria dormir tranquilo...

INCOMPETÊNCIA, IMPOTÊNCIA, INAPETÊNCIA OU TUDO ISSO AO MESMO TEMPO?

Clovis Rossi tem lá seus maus momentos, como qualquer jornalista. Mas, quando acerta, às vezes produz textos memoráveis, com precisão cirúrgica -- caso de sua coluna de hoje, na Folha de S. Paulo:

"Episódios como o dos 'grampos' contra duas das mais altas autoridades da República, para não mencionar Gilberto Carvalho, o mais próximo assessor do presidente Lula, só demonstram o quanto o atual governo é omisso. Prova-o a seguinte frase do ministro da Justiça, Tarso Genro, falando precisamente sobre interceptações telefônicas: 'Estamos chegando a um ponto em que temos de nos acostumar com o seguinte: falar no telefone com a presunção de que alguém está escutando'.

"Traduzindo: o chefe da Polícia Federal, em vez de se indignar - e agir em conseqüência, o que seria ainda mais relevante -, prefere conformar-se com a sua incompetência, impotência, inapetência ou tudo isso ao mesmo tempo para controlar atividades que desrespeitam o Estado de Direito.

"Se seu chefe, o presidente da República, também fosse menos relapso, teria afastado o ministro no ato, para demonstrar que não compactuava com a omissão do subordinado."

Citação fechada, acrescento que já adivinho a reação dos companheiros de esquerda, caso se dêem ao trabalho de ler este post: "Mas, o Tarso não está do nosso lado na luta pela punição dos torturadores?!"...

Minha sensibilidade é de que o Tarso está do lado do Tarso, como 99% dos devotos do poder.

Empunhou uma bandeira que lhe daria visibilidade, e da forma mais canhestra possível. Quando ele fez anunciar a audiência pública para tratar desse assunto, estava claro para mim e para qualquer pessoa com o mínimo de perspicácia que Lula não mexeria nesse vespeiro.

Dito e feito. Lula preferiu dar força a Nelson Jobim, apaziguando os militares que ainda relutam em viver segundo regras democráticas. E vimos definitivamente afastada a hipótese de revogação, durante o atual governo, da anistia de 1979, o habeas-corpus preventivo que os responsáveis direitos e indiretos por atrocidades concederam a si próprios.

Este era o caminho para um verdadeiro acerto das contas do passado, alcançando não só os trogloditas que cumpriram ordens hediondas, mas também os canalhas de alto escalão que deram tais ordens.

Graças à "incompetência, impotência, inapetência ou tudo isso ao mesmo tempo" de Tarso, o Executivo e o Legislativo tiraram o corpo fora e a tarefa sobrou para o Judiciário.

Então, depois dessa interminável guerrilha jurídica que se prenuncia, o que acontecerá? Os casos finalmente chegarão ao STF, que terá de se manifestar sobre o argumento último dos advogados de defesa, depois de derrubados todos os outros: o de que os réus apenas cumpriam ordens, pois as torturas e assassinatos eram uma política de estado não assumida explicitamente, mas adotada por toda a cadeia de comando.

Sabe-se lá o que o STF decidirá. Mas, infelizmente, foi isto mesmo que aconteceu. Jamais um Ustra ou um Curió deveriam sentar-se sozinhos no banco dos réus, sem terem ao seu lado, p. ex., Jarbas Passarinho e Delfim Netto, cujas canetadas no AI-5 deram sinal verde para tudo que se passou nos porões da ditadura.

Na pior das hipóteses, o STF vai concluir que é errado punir os mandados e poupar os mandantes. Na menos ruim, corroborará o que sabemos ser uma injustiça.

Em qualquer das duas, fica definitivamente afastada a possibilidade de que o Brasil siga os passos da Argentina, do Uruguai e do Chile, onde o longo braço da Justiça alcançou também a caça graúda, não só a miúda.

Finalmente, existe ainda uma chance enorme de que os alvos dessa maratona jurídica escapem da punição pela porta óbvia da morte natural, pois são idosos e a Justiça brasileira coloca um sem-número de manobras protelatórias à disposição de quem tem bons advogados.

De boas intenções está cheio o inferno. E eu não tenho sequer a certeza de que as intenções do Tarso sejam realmente boas, pois podem limitar-se a gambitos na luta pelo poder em que se entredevoram os chacais de Brasília. O certo é que jamais aplaudirei trapalhões.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

CHEGA DE TERGIVERSAR, PRESIDENTE LULA! É HORA DE CORTAR O MAL PELA RAIZ

Esta 2ª feira começou com a crise dos grampos fervendo em Brasília.

O presidente Lula, em reunião matinal de emergência, deveria determinar que a Polícia Federal investigasse o caso, talvez até permitindo que o STF acompanhasse as investigações.

Mas ontem, pelo menos, descartou a primeira providência que qualquer presidente cioso de suas obrigações tomaria: o afastamento do principal suspeito, o diretor da Abin, pelo menos até que se comprove sua inocência.

É o chamado óbvio ululante que, permanecendo em seu posto, o Lacerda (um corvo a conspirar contra a democracia, como o homônimo famoso?) estará em posição estratégica para atrapalhar a elucidação do episódio.

Tomara que, na reunião matutina, a ficha caia para Lula: não se deixa raposa tomando conta de galinheiro.

O presidente e o vice do STF, o presidente do TSE e os ministros da Justiça e da Defesa foram convidados/convocados para tal reunião.

Uma declaração de Nelson Jobim (Defesa) veio ao encontro do que eu escrevi ontem: "Tem de haver necessariamente uma investigação. A gravação houve, e isso é muito grave" (referindo-se à transcrição de uma conversa telefônica entre o presidente do STF e um senador, que um agente da Abin repassou à revista Veja, como exemplo dos grampos efetuados por sua agência).

À tarde, os ministros do STF se reunirão em conselho, a portas fechadas, para discutir a espionagem sofrida.

O presidente do Senado, outro grampeado, também antecipou que solicitará uma audiência com Lula, para cobrar providências. E marcou uma reunião emergencial da Comissão Mista de Controle de Órgãos de Inteligência do Congresso Nacional.

O presidente da Câmara classificou o episódio de "extremamente grave". E por aí vai...

O importante é que haja uma solução exemplar, sinalizando a disposição governamental de, a partir de agora, coibir os excessos e arbitrariedades que, saltam aos olhos, vêm sendo cometidos por quadros da Abin e da PF.

Caso contrário, aumentará a suspeita de que ambas estejam seguindo uma orientação secreta do próprio Governo Federal. E aí, sim, teremos uma crise entre os Poderes de consequências imprevisíveis.
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