segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O FALCÃO DE ONTEM E DE HOJE

Quem leu meu livro Náufrago da Utopia sabe que não tenho simpatia nenhuma por Rui Falcão.

É que, em 1986, quatro jovens petistas tiveram a má idéia de ressuscitar os assaltos a bancos como forma de conseguir recursos para a revolução.

Foram presos e isto deu farta munição propagandística aos adversários do PT: "Vejam, eles não mudaram nada, continuam criminosos..."

Então, o PT se viu naquela bifurcação entre os princípios e as conveniências -- e, como sempre, tomou o caminho errado.

Em vez de repudiar aquela iniciativa desastrosa (a ditadura já havia sido despachada para a lixeira da História, não mais se justificando, portanto, o recurso à luta armada), mas manter solidariedade pelo menos humanitária aos quatro de Salvador, o PT simplesmente abandonou-os às feras. Fingiu que não era com ele. Preocupou-se tão-somente com os votinhos que poderia perder nas eleições que se avizinhavam.

Mas, como o País se redemocratizara pela metade, havia ainda uma extrema-direita muito bem estruturada, forte, principalmente, no aparelho policial.

Então, os quatro de Salvador passaram a ser alvo das maiores arbitrariedades. Transferiam-nos sem aviso para qualquer lugar do Brasil onde algum banco tivesse sido assaltado. Faziam reconhecimentos fajutos, no afã de atirar sobre suas costas um rosário de processos. Não deixavam que seus advogados - nem mesmo a OAB! - lhes dessem assistência jurídica durante essas investigações.

Finalmente, veio à tona um plano para simular uma rebelião na prisão de Salvador e, aproveitando a confusão, executar os quatro. Para tanto, já havia sido até roubada dinamite de uma pedreira.

Foi quando eles decidiram entrar em greve de fome, embora tivessem quase ninguém a apoiá-los -- apenas um ou outro revolucionário da velha escola.

A pedido do pai de um deles, meu conhecido, entrei nessa luta, tentando por todas as maneiras fazer com que a greve de fome repercutisse na mídia. Bati num sem-número de portas fechadas.

Vivi dias desesperadores, sempre assombrado pelo fantasma de que adviriam mortes ou sequelas permanentes caso eu não conseguisse cumprir bem minha missão.

A insistência e o acaso me favoreceram. Um dossiê meu acabou sendo levado ao ministro da Justiça, que acionou o governador da Bahia. Foi negociada uma solução humanitária e a greve acabou bem para os quatro, que sobreviveram para contar a história.

Pouco depois, numa reunião de bairro do PT, em que se travavam discussões políticas, vi o Rui Falcão combinando algo com meia-dúzia de paus-mandados, na hora do cafezinho.

Mal o debate recomeçou, o Falcão tomou a palavra e disse que eu e os quatro de Salvador éramos cães danados. Foi a senha para seus seguidores também me atacarem, da forma mais exacerbada. Reprovavam-me por, em nome da solidariedade revolucionária, ter feito sozinho o que o PT deixara de fazer: salvar a vida e a integridade física de quatro (mesmo que desatinados) companheiros.

Acabei desistindo do PT. Segui os passos dos militantes das várias tendências de esquerda que já não conseguiam mais conviver com o oportunismo reformista e o autoritarismo stalinista de dirigentes como o Rui Falcão.

ESCARAMUÇAS ELEITOREIRAS - Esta longa introdução foi para, honestamente, informar aos leitores que eu não sou nem um pouco isento no que se refere ao Rui Falcão. Para mim, ele personifica tudo que o PT tem de pior.

Hoje, ele aparece na Folha de S. Paulo assinando um artigo de contestação a outro texto que foi publicado no mesmo espaço, do ex-prefeito Celso Pitta.

São aquelas acusações mútuas de sempre, então não vale a pena perdermos tempo com a defesa que Pitta fez de sua gestão, nem com a defesa que Falcão faz da gestão Marta Suplicy. O eleitorado paulistano já julgou as duas - negativamente. Domingo que vem, despachará Marta Suplicy para o mesmo limbo em que se debate Celso Pitta.

O mais anedótico é o trecho final da diatribe de Falcão:
- São Paulo tem agora a oportunidade de eleger um governo comprometido com a democracia, com as maiorias sociais, com a descentralização, com a transparência e com a utilização criteriosa dos recursos públicos. Quem se recorda do governo Pitta não deve reincidir no erro. Nesta eleição, São Paulo tem a chance de avançar, inovar, acompanhar o ritmo do Brasil do governo Lula. Isso é o que está em jogo. Isso é o que interessa.

Ora, o comprometimento do governo anterior de Marta Suplicy com a democracia foi expresso, p. ex., na imposição de um mundaréu de taxas ao contribuinte, aproveitando a anuência de uma Câmara Municipal cooptada graças àqueles métodos que todos estamos carecas de saber quais são.

Com as maiorias sociais, na distribuição de migalhas de lazer e em acesso barato a um transporte coletivo que logo atingiria o ápice da deterioração ("porque gado a gente marca/ tange, ferra, engorda e mata/ mas com gente é diferente", cantou o Vandré que todos esqueceram).

A descentralização, nesse e nos demais governos, significa apenas a multiplicação de balcões de trocas (melhorias x votos) e de práticas piores ainda.

A utilização criteriosa dos recursos públicos ficou a anos-luz de distãncia dos túneis Rebouças e Cidade Jardim.

A demonização de rivais é o expediente de quem já não tem esperanças para oferecer. Antes, era "vote no PT em nome da verdadeira justiça social". Agora é "vote no PT porque a alternativa é pior".

Bush satanizou Osama e Saddam. O PT satanizou Pitta, Maluf, Collor, ACM e que tais, mas faz composições com eles quando lhe convém, como fez com os três últimos.

Quanto ao ritmo do Brasil do governo Lula, se a referência é a crescimento econômico, ainda está longe dos anos do milagre brasileiro. Não consegue igualar sequer o obtido por uma ditadura hedionda.

Resta saber se o nosso objetivo é só isso que o capitalismo pode nos dar -- quase nada -- ou a colocação do imenso potencial produtivo da atualidade a serviço do bem comum.

Continuo atrás do sonho de Marx. Uma sociedade em que cada um dê sua contribuição, no limite de suas possibilidades, para que as necessidades de todos sejam atendidas. Uma sociedade em que possamos desenvolver plenamente nossas potencialidades, libertos dos grilhões da necessidade. O reino da liberdade, para além da necessidade.

Não me contento com espetáculos do crescimento, muito menos com um tão insatisfatório como o atual. E que logo será levado de roldão pelas contradições intrínsecas do capitalismo -- cuja superação pela via revolucionária saiu da pauta do PT, mas não da minha.

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