sábado, 11 de junho de 2016

VITÓRIA DE TRUMP FARIA SOAREM AS TROMPAS E CLARINS DE UM NOVO 1964

A palavra do editor
Jânio Quadros renunciou em 25 de agosto de 1961 e os conspiradores de direita resolveram aproveitar a oportunidade para desfecharem o golpe de Estado que tramavam para mais tarde. Os Estados Unidos, sob John Kennedy, não os apoiaram e a tentativa deu com os burros n'água.

Quatro meses antes, Kennedy autorizara uma tentativa de derrubada de Fidel Castro, não permitindo, contudo, que os EUA se envolvessem ostensivamente. Tinha de parecer iniciativa dos cubanos exilados. 

Então, sem apoio aéreo (bombardeios) nem naval (canhonaços para destruir a artilharia governista), o desembarque na Baía dos Porcos foi um completo fracasso. Mais pareceu um estande de tiro ao alvo para os governistas treinarem pontaria.

Ou seja, Kennedy não comia na mão da CIA, o que certamente foi um dos fatores determinantes de seu assassinato, num complô que nem mil Relatórios Warren (1) fariam crer que não existiu.

Golpe brasileiro tinha digitais dos EUA espalhadas por todo canto
Com a morte de Kennedy em 22 de novembro de 1963, assumiu o caipirão Lyndon Johnson, que não só comia na mão como lambia os dedos da CIA. Resultado: cinco meses depois o golpe brasileiro era vitorioso, com as digitais dos EUA espalhadas por todo canto.

Então, se o ultradireitista Pato Donald Trump conseguir mesmo virar o jogo contra a Hilária Clinton, a possibilidade de um novo 1964, hoje quase inexistente, vai se tornar bem plausível. 

Sugiro, portanto, que todos leiam com atenção a excelente análise de Demétrio Magnoli sobre o que Trump representa. A eleição está longe (8 de novembro), mas temos de começar a levá-la em conta. 

Inclusive, tentando achar uma solução para nossa crise política até lá, pois o que acontecerá a partir de 9 de novembro é uma desconfortável incógnita. (CL)

Por Demétrio Magnoli
A PRIMEIRA MULHER
A primeira mulher candidata à Presidência dos EUA seria uma notícia tão histórica quanto o primeiro negro na Casa Branca, com a condição de que o nome dela não fosse Hillary. A verdadeira novidade da campanha eleitoral americana não é uma Clinton, mas um Trump —o Donald. A candidata democrata representa o establishment; o republicano, uma revolta contra o establishment. Desse contraste emana o perigo real de triunfo do Donald.

Hillary mantém o favoritismo, apesar do empate técnico registrado nas últimas sondagens. A demografia milita ao seu lado: Trump enfrenta a rejeição majoritária das mulheres, dos hispânicos e dos negros. O sistema eleitoral joga no campo democrata: nos 11 Estados oscilantes, campos de batalha decisivos, Obama obteve 11 vitórias em 2008 e dez em 2012. Contudo, Trump não é um McCain ou um Romney, expoentes da tradição republicana, mas um tipo diferente de candidato: a imagem do som e da fúria de uma nação profunda, imersa nas águas do rancor.

O Donald invoca sempre o nome de Reagan, sugerindo um falso paralelo: Ronald foi um candidato solar; Donald é um profeta das sombras. Hillary falará dos dilemas do presente, na linguagem política convencional; Trump falará da restauração de uma idade de ouro, na linguagem do salvacionismo populista. "Fazer a América grande novamente": é a mudança contra a permanência, uma fórmula sedutora, empapada pela umidade da crise. O jogo segue regras complexas, desdobrando-se em equações pontilhadas de incógnitas.
Hilária ou histérica?

O Donald é fruto do colapso de uma tradição. Na sua rebelião contra o centrismo republicano, o Tea Party (2) declarou guerra ao Welfare State (3) e flertou com o nativismo xenófobo da nação branca e protestante. Trump armou seu palanque no meio daquela rebelião, mas a reinventou de modos surpreendentes. 

Numa ponta, estendeu o discurso nativista às suas consequências extremas, fincando uma bandeira nas terras da intolerância e do racismo: a deportação em massa dos imigrantes ilegais, o banimento dos muçulmanos. Na outra, operando pela negação da negação, jurou conservar o Welfare State e proteger a indústria e os empregos americanos da concorrência estrangeira, fechando as estradas do livre comércio. Hillary enfrenta a força de uma mistura explosiva: ultranacionalismo + populismo.

Atrás do Donald, sopra uma ventania. A crise do sistema político americano expressou-se pela ofensiva do Tea Party sobre as paliçadas do Partido Republicano e, do outro lado, por dois levantes sucessivos no universo do Partido Democrata: o furacão memorável de Obama em 2008 ("Yes, We Can" – 4), e a imprevista tempestade de Sanders nas primárias que se encerram ("Feel the Bernie" – 5). A cidadela de Hillary ruiu sob o impacto do primeiro, mas resistiu ao segundo. Som e fúria: Trump investe suas fichas na soma de todos os levantes, organizando uma marcha sobre Washington.
"Posso ir no banheiro, 'fessora? 'Tô apertado!"

O Donald ataca, simultaneamente, pelos flancos direito e esquerdo. As invectivas odientas contra imigrantes e muçulmanos, uma radicalização dos discursos das franjas republicanas, miram a nação branca. As promessas econômicas populistas e protecionistas, uma importação adaptada das miragens socialistas de Sanders, miram a nação pobre

O solo que sustenta a árvore incongruente de Trump é composto por uma narrativa declinista. No mito do Grande Declínio, ou seja, da erosão do poder, da influência e da prosperidade americanas encontra-se a força persuasiva de sua candidatura. Hillary terçará armas contra um argumento que desconhece os limites habituais da razão.

O Donald é sintoma de uma crise geral dos valores das democracias ocidentais. Na sua candidatura, estão impressos marcadores ideológicos similares aos dos partidos nacionalistas que ameaçam a costura da União Europeia. O destino da primeira mulher interessa ao mundo inteiro.
  1. Investigação oficial que concluiu ter sido Lee Harvey Osvald o único assassino de Kennedy, além de confirmar a existência do Papai Noel, do coelhinho da Páscoa e da fada dos dentes.
  2. Ala populista e ultradireitista do Partido Republicano, que propõe uma diminuição substancial dos gastos da União, para que os impostos possam ser reduzidos.
  3. O Estado do Bem-Estar Social defende exatamente o oposto, ou seja, a importância do Estado como agente de promoção social e organizador da economia.
  4. "Sim, nós podemos".
  5. "Sinta o Bern!", jogo de palavra com o nome do candidato e a palavra burn, calor. 
JFK - a pergunta que não quer calar (versão do diretor)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails