quinta-feira, 12 de maio de 2016

É NISSO QUE DÁ...

(ou o grande 
equívoco da esquerda)

Quando me sentei da cadeira de secretário de Finanças da Prefeitura de Fortaleza, ainda na metade dos anos 1980 (antes da Constituição de 1988, portanto), as despesas correntes da Prefeitura somavam 120% das receitas. 

Mas, a prefeita Maria Luíza tinha de cumprir as nossas promessas de campanha, tais como piso salarial para os professores e demais categorias profissionais cujos salários defasados vinham sendo corroídos ainda mais pela inflação da era Sarney, do PDS/PMDB; precisávamos repassar o duodécimo da Câmara de Vereadores mensalmente, sob pena de cassação do mandato; e, ainda sofríamos a perseguição por sermos a primeira prefeitura importante do PT, ainda por cima gerida por uma mulher (a primeira Prefeita de uma capital da história do Brasil).

Eu me perguntei: qual a utilidade que existia em assumirmos uma prefeitura como a de Fortaleza (quinta capital em população do País), à qual chegáramos em função da insatisfação popular, fruto da incapacidade estatal de atender as suas demandas socais? Indaguei-me também se isso ajudaria na viabilização de um projeto de educação e transformação da sociedade. 

Foi já nesse momento que comecei a duvidar dos postulados marxistas-leninistas até então por nós defendidos, de que deveríamos participar da política no sentido de ascender aos postos políticos do Estado para dar-lhe uma nova direção, tornando-o voltado preferencialmente para os pobres.

Para mim ficava claro que teríamos de: 
  • administrar o aparelho de estado com a escassez própria que a lógica do capital reserva para essa sua instituição regulatória e auxiliar; 
  • explicar o inexplicável; 
  • reconhecer a impossibilidade material de pagarmos integralmente o justo piso salarial, ou seja, teríamos, na prática, de negar o pagamento daquilo que dizíamos antes ser possível pagar; 
  • que teríamos de aumentar o preço das tarifas do transporte da empresa de ônibus municipal em razão da elevação dos custos diários dos insumos (pneus, gasolina, peças, etc.), que combatíamos anteriormente; 
  • que não tínhamos dinheiro para desapropriar as áreas de terras ocupadas por trabalhadores empobrecidos pelos baixos salários ou desempregados (a quem se costuma chamar de favelados, talvez pejorativamente) e evitar que os despejos dos seus ocupantes ocorressem, então o máximo que poderíamos fazer seria colocar advogados na precária defesa de um direito que constitucionalmente (direito à propriedade) e pelo direito civil era preservado; 
  • que tínhamos que pagar os pesados juros da divida pública municipal (eu era recebido pelo presidente do Banco do Nordeste, ali colocado pelo Governo Sarney, e agente dos nossos vários credores financeiros, como um inquilino inadimplente é recebido pelo seu senhorio); 
  • e por aí vai.
E, noblesse oblige, não poderíamos conciliar com todos aqueles que, ao longo, dos anos tinham se assenhoreado do aparelho Estado, e que nele continuavam, principalmente o governador Tasso Jereissati (então no PMDB e hoje no PSDB, e hoje cotado para ministro do Presidente Temerário) e com o presidente Sarney, que pertencera à Arena e ao PDS, partidos de sustentação da ditadura militar que fora derrubada, e que em seguida se transferira para o PMDB (que ainda agora, mais do que nunca, continua no partido governista), partido criado e consentido pelos militares na tentativa ridícula de fazer parecer que o governo era civil e democrático.

Compreendi que a luta era inglória e árdua, pois até o nosso partido, o PT, já se voltava contra nós pelo fato de não sabermos conciliar com os outros partidos de oposição, e que sem isso era impossível governar.

Divergimos disso e fomos expulsos do PT ainda no governo, mas mantivemos a nossa altivez de princípios. Terminamos fora do poder regional, com baixa popularidade, e pudemos refletir longamente sobre tudo, até compreendermos que havia algo de profundamente errado em se assumir o poder de um aparelho de Estado que fora formatado e aperfeiçoado ao longo de séculos para servir ao capitalismo, tentando dar-lhe uma direção contrária aos seus propósitos constitucionais (coisa que o marxismo tradicional não explicava de modo convincente). 

Tateamos no escuro por longos anos, até termos o conhecimento de que havia outro Karl Marx, e que era contrário a ele mesmo, ou seja, que o marxismo que nos era dado a conhecer divergia profundamente do Karl Marx da maturidade, reciclado (consistente na teoria marxiana da crítica à forma valor), e que nos ensinava a contradição interna das categorias capitalistas que levaria o capitalismo por seus próprios fundamentos à débâcle final. 

Ora, se os defensores do capitalismo não conseguem prover as demandas sociais através do seu aparelho de estado com todas as conveniências sistêmicas que estão ao seu dispor (legais, políticas e econômico-financeiras), não seríamos nós, seus adversários, que iríamos administrar esse mesmo aparelho de estado de forma a dar-lhe um sentido pró-povo. 

Pelo contrário, os atos de administração, necessariamente convergentes com a lógica sistêmica, somente podem ocorrer de forma a negar todos os postulados de interesse popular, com a pontual exceção de medidas populistas paliativas que nada mais são do que uma forma de enganar esse mesmo povo, como o têm feito todos os governantes de todos os tempos e de todos os lugares.

Assim, chegamos à conclusão que devemos negar todos os construtos institucionais que dão vida à regulamentar lógica do capital agora em fim de festa mundo afora; temos de negar o voto; temos de negar o parlamento; temos de negar os partidos políticos; temos de negar o Estado; temos de negar a política; temos de negar a mediação social feita pelo dinheiro e pelas mercadorias; temos de negar, por fim, o capital.

O PT criou a fantasia que podia conciliar com os representantes do capital no sentido de uma convivência harmoniosa (compactuando com as suas tradicionais maracutaias) e oferecendo ao povo medidas populistas que cedo se desvanecem com a própria depressão econômica mundial e local (que foi considerada por Lula, equivocadamente, como uma mera marolinha passageira). E é graças a isso que perde agora o controle da Presidência da República e das boquinhas dos que se penduram nas tetas governamentais iludindo o povo. E nisso que dá certos socialistas, pseudo-anticapitalistas, quererem dirigir o aparelho de Estado burguês.


Mas atingida a fronteira da ingovernabilidade burguesa, começa agora a luta que pode ganhar força num sentido verdadeiramente emancipacionista. Há vida fora do mercado, do Estado e da política; aliás, cada vez mais somente poderá haver vida fora do mercado e do Estado. (por Dalton Rosado)

2 comentários:

SF disse...

Dalton,
Uma das características esperadas num ser humano é a racionalidade.
Logo, num embate desigual, como o que você e o Celso se envolveram, o racional seria nem ter entrado na luta.
A derrota era esperada, quase certa, mas havia a esperança...

A esperança de algo fazer por um mundo melhor.

Então, num decisâo cheia de fé e com o espírito cheio de nobres intenções, foram a luta!

E acredite, é muito importante para a melhoria da sociedade que romanticos (quase suicidas) tenham ido a luta. Ao combate desigual.

E a aparente derrota de ontem e de agora é só uma fase.

Tivessem vencido a parada e a nossa bela Fortaleza não estaria entre as cidades mais violentas do mundo...

Os que acham que venceram, dão ao mundo o horroroso espetáculo de mais de 60 homicídios por cem mil habitantes.

Se o ambiente reflete o pensamento, parece que bestas sanguinárias estâo no comando da terra de Iracema.
Que nâo é mais virgem e tem lábios de fel.

Mas saiba que a luta dos guerreiros honestos nunca é perdida.
Se não for a pessoa mesma, outro virá para lutar o nobre combate.

O progresso é uma Lei.

celsolungaretti disse...

SF, o Dalton não conseguiu postar uma resposta para o seu comentário. Orientei-o a, futuramente, desistir de postar com sua própria identidade e fazê-lo como "anônimo", assinando no final do próprio comentário, assim fica tudo mais fácil.

De resto, eis o que ele me pediu para postar:

"Dizia Fernando Pessoa que 'tudo vale a pena se a alma não é pequena'. Mais vale a certeza de uma boa causa do que a inconsistência de uma pseudo-vitória que contrarie a nossa consciência e logo se mostre vulnerável.

"A nossa experiência em Fortaleza, aliada à eterna busca de uma sociedade justa, que implica em autocríticas e recomeços (os mais comentados lances de Pelé --avaliações pessoais sobre ele à parte-- não resultaram em gols, mas foram vitais para a consecução de suas marcas até agora inatingidas), nos levou a descobertas que, sem esses dois elementos (às constatações de equívocos aliamos uma sincera busca de saídas, fruto do estudo teórico aplicado à realidade circundante), nunca teríamos conseguido.

"Estamos certos que ainda cometeremos erros, e de que nem tudo que consideramos certo o é, mas igualmente convictos que procuraremos consertá-los com humildade e altivez revolucionária". (DALTON ROSADO)

Related Posts with Thumbnails