sábado, 22 de agosto de 2015

O GRANDE CAPITAL ATIRA UMA BOIA PARA DILMA. ELA MERECE SER SALVA?

Mal acostumado pelas facilidades das grandes redações, eu evidentemente me ressinto da atual falta de acesso às fontes que colocam a imprensa a par do que rola nos bastidores do poder. Tento suprir tal lacuna trazendo para cá as notícias e avaliações interessantes dos colegas que continuam na ativa.

Um deles é o André Singer, colunista da Folha de S. Paulo aos sábados. Antigo porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula, ele é jornalista, cientista político e professor da USP. 

Foi o Singer que, no segundo semestre de 2014, chamou a minha atenção para as fortes pressões dos grandes empresários no sentido de que, fosse quem fosse o presidente eleito, enfiasse goela dos brasileiros adentro um arrocho fiscal de corte neoliberal. Dei uma olhada nos pronunciamentos dos donos do Brasil e era isto mesmo: pintavam um quadro extremamente sombrio e, em uníssono, exigiam a imposição de rigores e mais rigores . 

Como não sentia em Dilma Rousseff nenhuma firmeza para resistir ao rolo compressor do poder econômico, passei a alertar os grãos petistas de que seria simplesmente catastrófico o partido mais identificado pelo povo como representante da esquerda brasileira responsabilizar-se pela execução de uma política econômica tão perversa, inútil e antipovo. Melhor seria deixarem tal iniquidade para a Marina ou o Aécio.

Ninguém me escutou, claro, e o resultado está aí: o PT em frangalhos.

Agora, o Singer faz outra avaliação do mesmo tipo (vide íntegra aqui ) e, pelo acerto da precedente, merece nossa atenção:
"Pelo que se depreende das parcas informações publicadas, tanto empresários quanto o governo percebem o estrago feito pelo ajuste fiscal. Só que ninguém assume a parcela de culpa que lhe cabe. 
...há quase três anos, bato na tecla de que os ideólogos de inspiração neoliberal, com forte apoio no empresariado, pressionavam por ajuste recessivo que produzisse desemprego. Em 2013, escrevi: 'Precisará o governo cortar o gasto até o osso, avalizar leis que reduzam o custo da mão de obra e demitir o titular da Fazenda para conquistar os capitalistas? Estará disposto a ir tão longe?' 
Estava. As consequências encontram-se à vista e, finalmente, o empresariado entrou em campo para salvar o mandato da presidente que fez o que pediam. Há ainda exigências na pauta, talvez referentes à terceirização, porém o essencial foi feito. O Brasil passa por recessão significativa, milhares de empregos foram perdidos, os salários caem. 
...Se há convergência em torno da necessidade de encerrar o ciclo recessivo e programar a retomada, ótimo. Cada dia a mais desta política desastrosa representa perdas sociais e individuais que demoram a ser recuperadas. Algumas nunca o serão".
Se o Singer novamente estiver certo na sua avaliação --eu aposto que sim!--, eis algumas ilações:
  • os efeitos da retomada dos investimentos ainda demorarão um bom tempo para se fazerem sentir, daí o chamado mercado continuar projetando 2016 como mais um ano de recessão. Ou seja, mesmo a reação se iniciando no segundo semestre, não será suficiente para contrabalançar o mau desempenho no primeiro. Só começaremos a sentir verdadeiro alívio em 2017;
  • ficará comprovado que todo o alegado para justificar o arrocho fiscal era papo furado. Nem de longe se efetuaram cortes suficientes para reequilibrar as contas públicas, portanto este não terá sido o verdadeiro motivo da tramoia, mas sim a criação de um cenário favorável às demissões, à redução de salários e ao ataque aos direitos trabalhistas;
  • Dilma Rousseff ficará marcada como uma presidenta que, embora eleita por um partido dos trabalhadores, terá imposto os piores sacrifícios aos trabalhadores para bem servir ao patronato;
  • talvez finalmente ela se permita exonerar Joaquim Levy, pois o serviço sujo já terá sido feito e tirar o bode da sala apaziguará a esquerda do partido.
A dinâmica da política, contudo, não reflete mecanicamente às decisões do grande capital. A desmoralização de Dilma talvez já tenha avançado demais para que ainda possa ser revertida. Mesmo que se decida dar uma meia-volta, volver! na recessão artificialmente fabricada pelo patronato, ainda teremos cerca de um ano de rigores e penúria pela frente. A partida continua indefinida e imprevisível.

A segunda questão: tendo agido como agiu, Dilma merece ser salva? Os do lado de lá, que saíram no lucro, parecem já haver concluído que sim. Nós, que estamos no prejuízo, temos algum motivo para concordarmos com eles?

Eu sempre preferi as coisas claras, pois assim fica mais fácil para o povão as compreender. Exploradores se comportando como exploradores, explorados cumprindo a sina de explorados. Então, considero muito nocivos os lobos e lobas em pele de coelho...

Os Trabucos da vida podem até salvar a Dilma, como se faz com serviçais fiéis mas burrinhos. Só que, no fundo, estarão morrendo de rir da excelentíssima presidenta, pois graças a ela terão dado um autêntico golpe de mestre, destruindo o PT e desmoralizando a esquerda como há décadas vinham sonhando sem conseguirem.

Um comentário:

SF disse...

Considero que a sua frase a respeito do ajuste fiscal ("mas sim a criação de um cenário favorável às demissões, à redução de salários e ao ataque aos direito") é primorosa.
E qual movimento do capital não é?
Acredito que isso que vc disse é a chave para entender tudo sobre o capitalismo.
Crise, crédito, mercado, juros e que tais são nomes diferentes para "baixar o custo da mão de obra".
Vejo também que este tipo de abordagem é anacrônica. É bem capaz de este "ajuste" não se sustentar, afinal, o mundo é outro.
Pobreza não é mais boa nem para o sistema, creio eu.

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