sexta-feira, 20 de julho de 2012

O AÇOUGUEIRO DE DAMASCO TEM OS DIAS CONTADOS

Quando eu comecei a cursar a Escola de Comunicações e Artes da USP, em 1972, fiquei pasmo com o estilo de atuação dos dirigentes do centro acadêmico: propunham lutas pouco viáveis, abandonavam-nas no meio do caminho e iniciavam outras, que também não levariam até o fim. Pareciam acreditar que as derrotas ajudassem a conscientizar os derrotados...

Saído há poucos meses da prisão e alvo de óbvia vigilância dos infiltrados da ditadura, fiquei na minha. Mas, nem sempre eu conseguia manter-me impassível.  Havia muita raiva fervendo dentro de mim, pronta para eclodir.

Como quando fiquei furibundo com a passividade dos colegas: eles permitiram que uma professora autoritária trancasse a porta para não permitir o ingresso dos alunos que chegavam atrasados para a primeira aula do dia (a USP ficava um bocado distante para quem, como eu, vinha de ônibus, sempre sujeito a engarrafamentos e imprevistos). Nunca professor nenhum ousara agir assim na ECA.

A fulana ainda estava saindo e olhou espantada quando, porta finalmente aberta, eu entrei e gritei apenas uma frase para os colegas: "Se vocês deixam qualquer uma vir aqui e trancar a porta, estão todos mortos!".

Mexi com os brios da classe. Seguiu-se uma discussão sobre providências a tomar e, quando optaram por um abaixo-assinado exigindo o afastamento da rabugenta, fui logo indicado para o redigir. Noblesse oblige, aceitei a responsabilidade e o risco.

O presidente do centro acadêmico --ninguém menos do que o hoje reaça Augusto Nunes, da Veja (as voltas que o mundo dá!)-- prometeu entregar ao diretor e distribuir na escola inteira.

Mas, preferiu esperar a resposta superior. Que foi a pior possível:
  • o abaixo-assinado seria encaminhado ao Depto. de Arte, interinamente chefiado... pela própria professora da qual nos queríamos livrar;
  • o diretor ameaçou, caso espalhássemos o abaixo-assinado pela ECA, aplicar o decreto 477, mostrengo ditatorial que permitia a expulsão sumária dos estudantes.
O Augusto Nunes, hipocritamente, submeteu a questão à classe: "Se vocês ainda quiserem que eu mimeografe e mande distribuir o abaixo-assinado, contem comigo..."

Que calouro se arriscaria a ser expulso, depois de todo trabalho para chegar à melhor escola de jornalismo de SP? Nenhum, claro. Enojado, virei as costas e saí batendo a porta.

A partir daí, todas as vezes em que ele vinha levantar novas bandeiras que certamente não honraria, eu abandonava a classe.

Ou seja, desde aquele tempo eu detestava derrotas. Nunca as considerei educativas. Só servem para abater a moral e desestimular os novos recrutas.

Hoje, quatro décadas depois, continuo perplexo ao ver a opção pela derrota que certos companheiros fazem. Marcham de fracasso anunciado em fracasso anunciado.

O apoio irracional aos  ditadores das Arábias  é um exemplo. 

Utilizaram uma paupérrima racionália geopolítica para tentarem apresentar um aliado do Silvio Berlusconi como líder popular e seus inimigos como agentes do colonialismo, quando saltava aos olhos que os imperialistas jogavam dos dois lados. Com crassa miopia política, associaram-se à derrota de um ditador sanguinário que encabeçava uma mera tirania familiar, saqueando o país em benefício próprio.

E, se o dito cujo começou a carreira como um simulacro de Nasser, utilizando o nacionalismo dos seus colegas de farda como trampolim para o poder, pior ainda é Bashar al-Assad, o açougueiro de Damasco. Este jamais foi nada além do herdeiro de um despotismo transmitido de pai para filho.

Bem vistas as coisas, nunca houve motivo real nenhum para qualquer homem de esquerda tomar o partido da Rússia e da China (que hoje nada têm de revolucionárias) nessa disputa de interesses capitalistas.

Ao passo que defender um assassino serial como al-Assad mancha qualquer reputação. O único lugar para gente assim é o banco dos réus num novo tribunal como o de Nuremberg.

E, como ele empregava o terrorismo de estado mais bestial para perpetuar o domínio de 12% dos sírios (os alauítas) sobre o restante da nação, era favas contadas que acabaria dando com os burros n'água. Mera questão aritmética.

Este desfecho se evidencia cada vez mais como inevitável. Só que não à maneira da Líbia; o mais provável é que os sunitas assumam o poder e os alauítas mantenham um território próprio, um enclave. Os dois contingentes, aliás, já começam a separar-se, percebendo para onde os ventos sopram.

Embora hajam despertado muito ódio com seus massacres hediondos, não deverá haver nenhuma  solução final  para os alauítas. Em último caso, ocorrerá uma intervenção internacional para separar os litigantes, evitando que eles sejam exterminados pelos sunitas. Podem anotar e me cobrarem depois.

Muitas vidas de inocentes teriam sido salvas se esta intervenção ocorresse antes. E o resultado do jogo político seria exatamente o mesmo, pois nunca haveria paz na Síria enquanto uma minoria estivesse oprimindo a maioria.

Há derrotas que nos enobrecem. Mas, quando se é derrotado na contramão dos próprios valores (desde quando é papel da esquerda preservar tiranos?!), trata-se de perda total.  Ou seja, o resultado que os semeadores de derrotas quase sempre acabam colhendo.

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