domingo, 26 de outubro de 2008

UM GENUÍNO TORTURADO

As viúvas da ditadura, em seus sites e redes de propaganda totalitária, sempre acusaram o petista José Genoíno de haver amarelado quando os militares o aprisionaram no Araguaia.

Eu nunca tive motivos para simpatizar com Genoíno.

Como jornalista, detestei seu comportamento numa das tentativas que fez para abafar o escândalo do mensalão em seu nascedouro. Marcou-se uma coletiva para o então tesoureiro do PT Delúbio Soares explicar-se e o Genoíno avocou a sua condução, em vez de delegar a função a um profissional de comunicação, como seria correto.

Agiu com uma arrogância sem limites, terminando por encerrar a entrevista intempestivamente quando uma pergunta desagradou a ele, Genoíno. Pegou o constrangido Delúbio pelo braço e o arrastou para fora da sala.

Assistindo pela TV, fiquei indignado não só por Genoíno ter tratado os coleguinhas da ativa a pontapés, como também pela pusilaminidade dos mesmos. Até durante a ditadura, quando as ameaças eram bem reais, havia jornalistas que não se deixavam intimidar. Ahora no más...

E, como revolucionário, jamais esquecerei do descrédito que Genoíno e os demais mensaleiros trouxeram para nossos ideais. Uns poucos deslumbrados e corrompidos pelo poder foram suficientes para que o cidadão comum passasse a desmerecer o sacrifício, o heroísmo e o martírio da totalidade dos resistentes.

Houve um tempo em que a pergunta pipocava sempre nas palestras que eu fazia: "Os que estiveram na luta armada contra a ditadura, são todos iguais ao Genoíno e ao Zé Dirceu?".

Mas, é maniqueísmo acreditar que maus feitos posteriores contaminem o passado de alguém. Eu levo em conta as contradições que cada indivíduo carrega dentro de si, capazes de torná-lo herói num momento e vilão em outro, ao sabor das circustâncias e da forma como reage a elas.

É comum vermos personagens históricos resistirem bravamente às piores adversidades mas traírem suas convicções no momento do triunfo, embriagados pela sensação de onipotência que advém das vitórias.

Então, por maior que fosse minha antipatia pelo Genoíno atual, sempre vi com ressalvas as acusações que faziam ao seu passado.

Teria revelado detalhes genéricos sobre a guerrilha do Araguaia? Ora, sob torturas pesadas é dificílimo alguém deixar de falar algo. O que importa mesmo é se o militante deu informações vitais ou não.

Como não se citasse o nome de nenhum guerrilheiro preso ou morto por causa de uma delação de Genoíno, logo deduzi: inexistiam pecados capitais dos quais pudessem responsabilizá-lo e estavam, com a habitual má fé, a magnificar os venais.

A outra peça de acusação é uma foto em que Genoíno, prisioneiro, aparece confortavelmente instalado. Foi espalhada na região do Araguaia, junto com a promessa de que os guerrilheiros receberiam o mesmo tratamento civilizado, caso se rendessem.

Só mesmo quem nunca passou pela tortura pode exigir de um preso que aguente suplícios terríveis apenas para impedir que tirem uma foto sua em tal ou qual cenário.

Hoje, a Folha de S. Paulo traz o depoimento de um caminhoneiro que, como soldado do Exército, presenciou os maus tratos a Genoíno em 1972: "Vi ele apanhando muitas vezes, levando choques elétricos. Pegavam ele algemado, com capuz na cabeça, levavam até o fim da pista [de pouso] e batiam nele".

Vou repetir aqui todo o trecho final da matéria do repórter Sérgio Torres, que dá uma boa idéia da forma como o preso era tratado. Que cada leitor decida se é o Genoíno do passado quem merece críticas, ou seus sórdidos detratores do presente (os quais, aliás, há muito deveriam estar respondendo pelos crimes de difamação e calúnia, que cometem de forma continuada).

"'Genoino conversava normalmente com a gente [os soldados], não mostrava resistência. Apanhava para falar. Metiam o pau no cara', contou o caminhoneiro.

"Na base, o preso passou a dormir, acorrentado e algemado, dentro de um buraco cavado na terra. De vez em quando, relembra o ex-soldado, o prisioneiro era levado para sobrevôos de helicóptero e avião. Na volta, ocorriam novas sessões de torturas, com choques elétricos aplicados por uma maquineta que os militares chamavam de 'magnésio'.

"'Genoino pulava, gritava, chorava muito. A gente sentia que ele estava machucado. Eu saía de perto. Depois, ele ficava triste, calado.'

"Pereira disse ter vontade de reencontrar Genoino. Acha que o deputado o reconheceria. "Tivemos muito contato. Ele era muito inteligente, falava da faculdade. Ele pedia revistas para passar o tempo, era muito pacífico, parecia arrependido de tudo, não era agressivo. Eu tinha muita dó dele."

"O ex-militar lembra, ainda, que o prisioneiro costumava ser levado para a floresta. 'Ele ia no mato, voltava, estava todo chupado de mosquito. Genoino passou maus momentos.'"

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